Criando asas
De "Baianinhas" à "Portela"
Carnaval no início do Século XX
Em 1923, tentando rivalizar com o grupo de Dona Esther, alguns jovens, sob a liderança de Galdino, resolveram fundar outro bloco na região, o “Baianinhas de Oswaldo Cruz”, que não demoraria muito a se dissolver devido a uma briga interna.
Após o desentendimento, parte dos integrantes do “Baianinhas de Oswaldo Cruz” funda outra agremiação carnavalesca, o “Conjunto Carnavalesco de Oswaldo Cruz”, que tinha como líderes Paulo Benjamim de Oliveira (o Paulo da Portela), Antonio Caetano e Antonio Rufino, três homens que se completavam em suas múltiplas funções.
Segundo Amaury Jório e Hiram Araújo, em “Escola de samba: vida, paixão e sorte” (Poligráfica Editora, 1969), os sambistas que fundaram a “Deixa Falar” – considerada por unanimidade, inclusive pelo pessoal da Portela, a primeira escola de samba do Brasil – queriam organizar um bloco pacífico, sem brigas ou arruaças como era característica dos blocos de então. Assim sendo, inspiraram-se no bloco formado pelo pessoal do “Oswaldo Cruz”, que brincava o carnaval com paz e alegria, tendo em Paulo uma liderança incontestável. Por meio disso, podemos concluir que a Portela não foi a primeira escola de samba, foi mais do que isso; serviu de fonte de inspiração para a primeira escola, exemplo para a Deixa Falar, que faria escola inclusive na própria Portela.
No final da década de 20, o grupo receberia um grande reforço de fora: Heitor dos Prazeres, amigo do presidente Paulo Benjamim de Oliveira. A vitória do agrupamento de Oswaldo Cruz, no segundo Concurso de Sambas, em 1929, (o primeiro foi em 1928), realizado por José Espinguela no Engenho de Dentro, com samba de Heitor dos Prazeres, teria empoderado Heitor junto à Paulo da Portela a ponto deste último aceitar a troca de nome da agremiação de “Conjunto Carnavalesco de Oswaldo Cruz” para “Quem nos faz é o Capricho”. A troca de nomes foi uma sugestão de Heitor.
A mudança trouxe, além de uma grande felicidade, muitos problemas para o conjunto carnavalesco. Heitor dos Prazeres, um “estrangeiro”, ganhou mais prestígio dentro do grupo. Tanto que por sugestão sua o bloco passou a se chamar “Quem nos faz é o Capricho” e ganhou sua primeira bandeira, também idealizada por Heitor, já para o carnaval de 1929. Todas as modificações de Heitor tiveram total consentimento de Paulo, uma vez que, devido a sua crescente fama no centro da cidade, Heitor dos Prazeres ajudava a divulgar o nome da escola.
Paulo em 1935, após a primeira vitória da Escola (Portela e portelenses, 1920-1939, Volume 1, Paco Editorial, 2023)
Em 1930, já com Heitor afastado devido a um desentendimento com Manuel Bambambam e Antônio Rufino, o grupo desfilou pelas ruas do subúrbio e da Praça Onze. Em 1930, a escola superou uma série de dificuldades para poder desfilar. Isto fez com que os sambistas da estrada do Portela mudassem o nome do bloco para “Vai Como Pode”. Com esse nome, a futura Portela começou a aparecer nos poucos jornais que cobriam os primeiros desfiles de escolas de samba, fato este que faz com que, de todos os nomes anteriores da Portela, esse seja o mais lembrado.
Também em 1931, Antônio Caetano desenharia a primeira bandeira da escola. Segundo depoimento para as autoras Lygia Santos e Marília T. Barboza da Silva, em “Paulo da Portela: traço de união entre duas culturas”, (Funarte, 1980) Caetano, desenhista da Marinha, declarou ter pensado no sol nascente e no valente povo da ilha japonesa. Instituiu as cores azul e branco em homenagem ao manto de Nossa Senhora da Conceição, padroeira da escola desde a fundação, e como símbolo a águia, por ser a ave que voa mais alto. Para Candeia, Caetano teria desenhado na verdade um Condor, ciente de ser esta na verdade a ave que alça voos mais altos na natureza. Provavelmente, todos interpretaram o símbolo como uma águia, fazendo com que Caetano não tivesse outra saída senão a de concordar com que a águia “assumisse o posto” de símbolo máximo do grupo. Surgia assim o símbolo mais importante e aguardado do carnaval carioca.
Antônio Caetano também entraria para a história como o primeiro carnavalesco do Carnaval carioca. Foram de sua autoria os primeiros enredos que a Portela levou para o desfile. De suas mãos surgiu a primeira alegoria de uma escola de samba: um rústico globo terrestre no enredo “O samba dominando o mundo”, na grande vitória da ainda “Vai Como Pode” no desfile que entrou para a história como o primeiro desfile oficial, em 1935. Ainda nesse ano, os sambistas de Oswaldo Cruz enfrentaram um impasse na hora de renovar a licença para os desfiles. O delegado Dulcídio Gonçalves não gostava do nome “Vai Como Pode” e só renovaria a licença se o nome fosse trocado. Após uma longa discussão entre Paulo da Portela e seus amigos, o próprio delegado sugeriu o nome que atravessaria fronteiras e entraria definitivamente para a história da arte e da cultura do Brasil: “Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela”, em uma homenagem à rua onde ficava a sede do grupo.
Entre as contribuições da Portela para o carnaval carioca neste período, além da primeira alegoria, merecem destaque a caixa-surda, o reco-reco, a comissão de frente uniformizada, a corda para separar os desfilantes da platéia, o destaque e até o apito da bateria. Segundo muitos estudiosos, o primeiro samba-enredo foi “Teste ao samba” (1939), de autoria de Paulo da Portela, que fez o papel de professor distribuindo diploma aos componentes da escola fantasiados de alunos, em frente à comissão julgadora. Um espetáculo que empolgou a Praça Onze e está seguramente entre os maiores desfiles de todos os tempos.