Dona Esther
DONA ESTHER
Para uns, Esther Maria de Jesus; para outros, Esther Maria Rodrigues. Não importa, o que entrou para a história da Portela, e do bairro de Oswaldo Cruz, foi simplesmente a alcunha “Dona Esther”. Nascida em 14 de fevereiro de 1896, Dona Esther nunca integrou diretamente a Portela, mas sua presença foi fundamental para que a escola surgisse e trilhasse seu vitorioso caminho.
Sua lembrança hoje aparece quase como uma lenda para os moradores de Oswaldo Cruz. Foi em sua casa que muitos dos primeiros portelenses tiveram seus primeiros contatos com o samba, ao lado de figuras já consagradas da música brasileira.
Muitos portelenses antigos lembram de Dona Esther como uma espécie de mãe, sempre gentil, solícita e caridosa. Faleceu no dia 22 de dezembro de 1964, aos 68 anos, entrando para a história com a grande tia portelense.
O carnaval como vocação
Todos os antigos portelenses que viveram seu tempo descrevem dona Esther como uma mulher muito bonita e dotada de uma personalidade que chamava a atenção.
Antes de morarem em Oswaldo Cruz, Dona Esther e Euzébio, seu marido, fundaram o cordão “Estrela Solitária”, que ficava no Largo do Neco, entre Turiaçu e Madureira, desempenhando a importante função de Porta-estandarte e Mestre-sala. O carnaval sempre foi uma espécie de vocação para dona Esther.
O centro social do bairro
Após desentendimentos no antigo cordão, o casal mudou-se para Oswaldo Cruz, morando inicialmente na Rua Joaquim Teixeira. Em pouco tempo, a casa de Dona Esther se transformou no centro social do bairro. Suas festas tornaram-se referência para todos, principalmente após a mudança para a casa nova, na rua Adelaide Badajós, num terreno tão grande que se estendia até a esquina da Rua Joaquim Teixeira.
As grandes festas
As festas de dona Esther atraíam não apenas o pessoal de Oswaldo Cruz, mas também muita gente dos demais redutos de samba e nomes consagrados da música brasileira, como Donga, Pixinguinha, Zé e Zilda, Gilberto Alves, entre outros. Além deles, a casa de dona Esther era famosa por receber alguns políticos influentes das décadas de 30 e 40. Nessas rodas de samba, alguns portelenses ilustres, como Jair do Cavaquinho e Candeia, aprenderam o que era o samba, formando uma geração de grandes poetas e artistas portelenses que anos mais tarde fariam sucesso.
Quem fala de nós come mosca
A grande contribuição de Dona Esther para a Portela foi a fundação do bloco “Quem fala de nós come mosca”, logo após sua mudança para Oswaldo Cruz. O bloco de Dona Esther é considerado por todos o primeiro embrião da Portela, e inspirou a criação do “Baianinhas de Oswaldo Cruz”, que contava com a participação dos principais fundadores da Portela.
O bloco de Dona Esther, apesar de desfilar apenas em Oswaldo Cruz e ser formado quase que exclusivamente por crianças, era regularizado na Justiça e possuía autorização para desfilar. Assim, o pessoal do “Baianinhas”, para poder se apresentar na Praça XI, principal ponto de encontro dos sambistas, se utilizava da autorização do bloco de Dona Esther.
Euzébio Rosa
Seu marido, Euzébio da Rosa, antigo mestre-sala do cordão “Estrela solitária”, era visto todos os dias montando seu cavalo branco, o “Faísca”. “Seu” Euzébio era bastante respeitado, quase um mito no bairro. Ele e “Faísca” eram figuras tradicionais e conhecidos por todos em Oswaldo Cruz, inseparáveis na difícil tarefa de atravessar as barrentas e esburacadas ruas da região.
A misteriosa Esther
Muitos pesquisadores, e até participantes, se debatem se o jongo é uma dança religiosa ou pagã. Muitos dizem que os jongueiros são dotados de poderes mágicos, feiticeiros que possuem olhos hipnóticos. Na casa de Dona Esther eram famosas as festas onde essa manifestação, herdada dos antepassados escravos, era praticada, tradição da influência rural na região. Muitos antigos portelenses participaram dessas animadas festividades e eram exímios jongueiros. A figura de D. Esther era, para muitos, cercada de um grande mistério. Alguns vizinhos acreditam que a velha senhora demorou a falecer porque mandava outras pessoas em seu lugar.
Samba matriarcal
Para Gilberto Freire, a transmissão cultural na história brasileira se deu principalmente através das mulheres. Enquanto os homens escreviam a história oficial do país, as crianças brasileiras recebiam educação das mulheres, cuja subordinação imposta as enclausurava nos lares. Todos os filhos de fidalgos ou nobres dos séculos passados estavam entregues aos cuidados das escravas de confiança, escravas dos lares, que transmitiam, na melhor tradição da educação oral, um pouco de suas histórias e visões do mundo, familiarizando a cultura das classes populares nas crianças que mais tarde decidiriam os destinos do país. O samba, manifestação cultural de origem africana, visto na época como algo inferior e que precisava ser combatido, encontrou novamente na figura feminina seu centro de resistência. Foram velhas senhoras que mantiveram viva a tradição do samba, cedendo a segurança de seus lares para a difusão, mais uma vez oral, dos valores culturais de seus ascendentes.
A Tia portelense
Na trajetória do samba e do carnaval do Rio de Janeiro, as “tias” possuem uma participação fundamental. Tia Ciata, Tia Bebiana e outras velhas senhoras da saudosa Praça XI organizavam importantes festas nos quintais de suas casas e terreiros. Servindo de abrigo seguro na época da perseguição, esses eventos permitiram a resistência das manifestações africanas e, a partir da integração que essas festividades promoviam, seus freqüentadores espalharam as sementes do samba por todas as comunidades do Rio de Janeiro.
O respeito por essas senhoras era tanto que, contam os historiadores, as primeiras manifestações carnavalescas verdadeiramente populares tinham que obrigatoriamente reverenciá-las, atestando a condição dessas residências como importantes centros de preservação cultural. De maneira semelhante à antiga Praça XI da virada do século XX, Oswaldo Cruz na década de 20 também vivia a efervescência de novas manifestações. Nesse momento, a casa de Dona Esther aparece como catalisador de tudo o que acontecia no bairro, fazendo a ponte de ligação entre os anônimos de Oswaldo Cruz e os sambistas que ganhavam fama nos bairros centrais da cidade. D. Esther foi a Tia portelense. Sua importância para a Portela está na mesma proporção em que Tia Ciata tornou-se fundamental para a história do samba. D. Esther é a matriarca de Oswaldo Cruz, a matriarca da Portela, transmitindo para nossos fundadores os valores culturais fundamentais, na melhor tradição da história brasileira.
Pesquisa e criação de texto: Fábio Pavão
Bibliografia:
ARAUJO, Hiram. Carnaval – Seis milênios de história. Rio de Janeiro. Gryphus. 2000
CANDEIA FILHO, Antônio & ARAÚJO, Isnard. Escola de samba – árvore que esqueceu a raiz. Rio de Janeiro, Ed. Lidador, 1978.
FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. Rio de Janeiro. José Olympio. 1964
SILVA, Marília T. Barboza & SANTOS, Lygia. Paulo da Portela – traço de união entre duas culturas. Rio de Janeiro. Funarte. 1979.