Histórico sobre intérpretes
Histórico sobre intérpretes
Clara Nunes, Candeia e David Correa em 1975
Quando as escolas surgiram, existiam os famosos mestres-de-canto. Donos de potentes vozes, os mestres-de-canto eram responsáveis pelos improvisos na segunda parte do samba.
Isso era possível porque os sambas, nos áureos tempos da antiga Praça Onze, não possuíam segunda parte. As pastoras cantavam em coro o refrão, ou primeira parte, e os mestres improvisavam a segunda.
Com a segunda parte já definida, as pastoras passaram a cantar o samba ao longo de toda a avenida, posicionando-se próximas à comissão julgadora. Os mestres-de-canto, mesmo sem improvisar, tinham a responsabilidade de guiar o coro da escola. Enquanto as agremiações eram formadas por pequenos grupos, a tarefa até não era tão difícil, mas os problemas começaram a acontecer quando as escolas se agigantaram, ultrapassaram os mil componentes e passavam horas desfilando. Nem os precários sistemas de som ajudavam a segurar a harmonia, ou seja, o canto uníssono dos componentes.
De fato, “atravessar o samba” foi durante muito tempo o fantasma que mais atormentou as escolas. Manter o canto único dos componentes ao longo da pista, evidentemente, não era responsabilidade apenas do intérprete, mas também da direção de harmonia. Várias tentativas foram utilizadas para solucionar esse problema, como a utilização de rádios por toda a extensão da avenida, por exemplo. Nenhuma, entretanto, teve resultado. A própria diferença entre o tom do samba cantado na avenida e o tom diferente gravado por um artista famoso antes do carnaval era o suficiente para estragar um desfile preparado nos mais minuciosos detalhes.
À medida que os amplificadores foram chegando ao mercado brasileiro, ainda no início da década de 60, começaram a ser incorporados pelas escolas. Usavam-se torres tubulares com cornetas no alto, de forma que a voz guia pudesse ser ouvida por toda a extensão da pista. O primeiro carro de som apareceria ainda em 1964.
O sistema de som na avenida apareceu pela primeira vez em 1970, mas as escolas não o utilizaram, pois isso aumentava ainda mais a possibilidade de o samba atravessar. Em 1973, a Portela chegou a contratar uma emissora de rádio para transmitir o samba durante o desfile, distribuindo aparelhos aos responsáveis pela harmonia. Não funcionou.
Aos poucos as coisas foram se acertando. Em 1976 aparece o primeiro caminhão de som, trazido pela Beija-Flor. Em 1978 o caminhão já era da Riotur, embora as escolas continuassem afirmando que a iniciativa fazia o samba atravessar. Em 1985, o carro de som foi sincronizado com as caixas espalhadas pela avenida e, em 1988, entram em operação os delays, aparelhos que programavam os atrasos e adiamentos do som.
Gilsinho em 2017 (Fonte: TV Globo)
Hoje, com o potente e moderno sistema de som do Sambódromo, esse fantasma foi finalmente exorcizado. A potente voz dos intérpretes é ouvida por todos os componentes, e em qualquer ponto da avenida. O intérprete principal e sua equipe, formada por 4 ou 5 cantores auxiliares, desfilam no carro de som, que segue próximo à bateria, o coração da escola. Utilizando-se dos microfones da avenida, precisam ter fôlego para segurar a escola até o momento em que o último componente deixar a pista de desfile.
Se fôlego e voz são importantes para o desempenho de um bom intérprete, não são os únicos requisitos indispensáveis para esses especialistas. O intérprete precisa saber o ritmo e a tonalidade adequados. Para marcar o ritmo, os intérpretes contam com o auxílio do cavaquinista, fiel companheiro do carro de som, e do surdo de marcação.
Os intérpretes também são popularmente conhecidos por “puxadores”, por terem a tarefa de “puxar” o samba. Grandes nomes entraram para a história do carnaval carioca, muitos deles da Portela. Mas não podemos falar dos grandes intérpretes sem mencionar mestre Jamelão, por mais de 50 anos primeiro puxador da Estação Primeira de Mangueira.
Jamelão é uma das figuras mais importantes do carnaval carioca e da música brasileira de uma maneira geral. Mestre de todos os intérpretes, das vozes de todas as escolas. Um mito que une o carnaval romântico ao carnaval moderno.
Jamelão, com Neide, Mocinha e Delegado, puxando o samba da Mangueira em 1960 (Foto: Arquivo Nacional)
Pesquisa e criação de texto: Fábio Pavão
Bibliografia:
ARAUJO, Hiram. Carnaval – Seis milênios de história. Rio de Janeiro, Gryphus, 2000.
CANDEIA FILHO, Antônio & ARAÚJO, Isnard. Escola de samba – árvore que esqueceu a raiz. Rio de Janeiro, Ed. Lidador, 1978.