Águia da Portela
Águia da Portela
Águia comemorativa dos 51 anos da Portela (Fonte: Revista da Portela 1974)
No sistema totêmico das sociedades “primitivas”, os animais exerciam grande influência na organização social dos antigos clãs. Eles cultuavam suas imagens sagradas, reconhecendo nelas sua unidade enquanto grupo. Em um tipo específico de rito, os chamados “ritos miméticos, os membros adotavam comportamentos inspirados em seus hábitos mais significativos.
Assim, nos clãs que cultuavam a imagem da cobra, por exemplo, os indivíduos poderiam rastejar ou adotar outros movimentos que lembrassem esse réptil. Sendo uma ave, os membros procurariam imitar os sons, o bater das asas e outras características inconfundíveis.
Natal, grande líder da Portela, dizia que o sambista de Madureira deveria pisar na avenida como uma águia, sambando com a destreza de sua ave-símbolo. Evidencia-se, assim, o poder da águia como inspiração dos portelenses, ressurgindo na avenida de desfile as práticas rituais mais elementares da existência humana.
Mas antes de falarmos especificamente da Águia azul-e-branca da Portela, vale a pena traçarmos um breve histórico sobre a importância da simbologia na história da Humanidade. A simbologia concede propriedades a determinada coisa, criando um símbolo. Um símbolo representa as características que os homens nele imaginaram ao longo dos anos.
Dessa forma, o Cristianismo concebeu a serpente como símbolo do mal. O Império Romano reconhecia na coruja a representação da sabedoria. E a águia, ao longo da história da Humanidade, desde a remota Antigüidade, está associada a poder, força, robustez e velocidade. Talvez mais do que qualquer outro animal, a imagem poderosa da águia nunca tenha passado despercebida aos olhos humanos.
Na Bíblia, o evangelista João é comparado a uma águia, pela profundidade dos seus escritos e capacidade de ver longe, observar as coisas do alto.
Águia da década de 60
A águia, animal sagrado de Júpiter, era o símbolo do próprio Império Romano. À frente das legiões, o “aquilifer” transportava uma águia de bronze. É também um animal anunciador de bons presságios. Uma águia pousou no ombro de Cláudio quando este atravessava o “forum”, o que foi interpretado como sinal de que o Império lhe estava destinado.
Os “Kirguiz”, povo guerreiro que habita as estepes da Ásia Central, utilizam-na numa forma de cetraria única no Mundo, a caça ao lobo, apesar da evidente diferença de peso existente entre a ave e o mamífero; e mesmo recentemente, a imagem da águia-real é utilizada como símbolo de clubes desportivos e inúmeras marcas de produtos.
Na Idade Média, encontramos em vários brasões de famílias a águia como símbolo. Sua presença insinua força, grandeza, coragem, nobreza de condição. Os anos passaram, a humanidade mudou, mas a águia está sempre associada ao poder, mesmo que esse poder seja exercido em prol de algum objetivo sórdido e cruel, como nos símbolos nazistas e no emblema da águia-dourada, de Napoleão Bonaparte.
O emblema dos Estados Unidos também é uma águia, a águia-de-cabeça-branca, ou águia careca, símbolo máximo da nação mais poderosa do mundo contemporâneo.
Em nosso país, a utilização da águia como símbolo também esteve presente. Rui Barbosa, considerado um dos políticos mais influentes do final do século XIX e início do século XX, era chamado de “a Águia baiana”. Entrou para a História como o grande “Águia de Haia”, numa referência a um célebre discurso proferido nesta cidade holandesa. O Palácio do Catete, residência do governo nos tempos de Getúlio Vargas, tem até hoje seu telhado adornado por diversas águias.
No carnaval carioca, os símbolos sempre tiveram um lugar especial nas mais diversas manifestações. A poderosa Águia, também na folia momesca, mereceu grande destaque, estando sempre associada a grandes vitórias, conquistas e transformações.
Imponente no Clube dos Democráticos, grande sociedade fundada em 1867, a águia brilhava ao lado das cores preta e branca. Além de inúmeras inovações para o carnaval, destacando-se o primeiro carro alegórico da história da folia carioca, a Águia dos Democráticos esteve presente em momentos cruciais da História do Brasil, como nas campanhas pela abolição da escravatura e pela proclamação da República. A Águia “altaneira” trazia no bico o nome dos Democráticos e cruzou os séculos XIX e XX recebendo alguns dos maiores nomes da vida social brasileira.
Em 1907, o Ameno Resedá trouxe a águia para brilhar também nas apresentações dos ranchos. Responsável pela grande transformação que ocorreu nessa manifestação carnavalesca, o Ameno Resedá modificou definitivamente o rumo do carnaval carioca. A águia seguia sua trajetória gloriosa, escrevendo a história da cultura do Rio de Janeiro. No revolucionário rancho, a idolatria pode ser verificada em versos como esse, de Mut & Jeff: “Águia altaneira, dominante e ousada Teu porte altivo na lenda encantada Traduz os feitos que nos diz a história!”
Águia da Chapa Portela Verdade
A saga da águia teria que continuar, e após alçar seu majestoso vôo sobre os ranchos e as grandes sociedades, pousou nas nascentes escolas de samba. Agora, envolvida pelo manto azul-e-branco da Portela, a “rainha dos céus” continuaria a deixar sua marca, determinando os destinos do carnaval carioca.
A Águia portelense foi concebida por Antônio Caetano, e desde os primeiros anos da década de trinta brilha intensamente no altar do samba. Gloriosa Águia altaneira, soberana das passarelas, majestade do carnaval.
A Águia portelense é o símbolo mais admirado, respeitado e festejado entre todas as escolas de samba. A Águia sempre goza de destacado lugar em seus desfiles. Sua entrada na avenida é um dos pontos altos do carnaval carioca, cercado de mistérios e segredos.
A Águia da Portela evoluiu ao longo dos carnavais. Das concepções ingênuas dos primeiros anos, passou a bater as asas no final dos anos 70 e no final da década de 80 saía do chão graças a um elevador. Hoje, a Águia da Portela é sempre a alegoria da escola tratada com mais cuidado, recebendo os mais modernos recursos tecnológicos.
É inexplicável o fascínio que a Águia tem sobre uma criança, renovando entre os jovens o amor pela Portela. Grande parte do sucesso portelense deve-se à simbologia de sua Águia. Legiões de portelenses se formaram vendo o majestoso símbolo entrando na avenida, imponente, soltando seu grito de guerra, alçando vôo sobre a avenida. Como faz desde o primeiro desfile.
De norte a sul do Brasil, a Portela inspirou o surgimento de novas escolas. A altaneira Águia azul-e-branca, dessa forma, deixou sua marca em cada carnaval de nosso país.
Todo portelense tem um pouco de águia, como dizia Natal. No filme de nossa gloriosa trajetória, a Águia é a principal protagonista. Sempre presente, impondo respeito, demonstrando força. Os homens passam, o símbolo fica. A Águia portelense é eterna. Símbolo máximo de poder, na Portela e ao longo da História.
Pesquisa e criação de texto: Geraldino Souza e Fábio Pavão
Bibliografia:
DURKEIM, Émile – “As formas elementares da vida religiosa”. Paulinas, 1989.
Jornal O GLOBO, 27/10/1975 “Águia altaneira, símbolo de pujança do carnaval” – Jote Efegê
ARAÚJO, HIram – “Carnaval, seis milênios de História” Gryphus. 2000
______ & JÓRIO, Amaury – Escolas de samba em desfile
CANDEIA FILHO, Antônio & ARAÚJO, Isnard. “Escola de samba – árvore que esqueceu a raiz”. Lidador.
Excelente conteúdo! Portela é tradição! Muito bom saber mais sobre esse símbolo, que por sinal, foi a melhor escolha e representa muito todo Portelense.