Entre o justo e o injusto
Entre o justo e o injusto
2011 (Foto: O Globo)
Sou mais um torcedor indignado com a precipitada decisão de excluir a Portela do julgamento no desfile de 2011.
O único sopro que o destino nos coloca, dentro do modelo atual de desfile, para que se mostre um carnaval em todos os seus primordiais fundamentos não foi suficiente para apagar as chamas que este incêndio provocou. Sim. Quando falo no sopro, quero me referir à possibilidade de vermos um carnaval de três grandes escolas subvertendo a ordem imposta atualmente aos desfiles do grupo Especial, a ordem da estética, a ordem do espetáculo, a ordem da logística, a ordem do patrocínio, a ordem da mídia. Carnaval não é a subversão da ordem? Não é a irreverência? Não é a catarse? Não é a crítica? Não é o lugar onde beleza e feiúra se misturam?
Que maravilha seria ver competindo Portela, Grande Rio e União da Ilha revivendo um desfile de chão (bateria, canto, dança, baianas, velha-guarda, destaques de chão, tripés, comissão de frente, mestre-sala, porta-bandeira, passistas). Um desfile que certamente despertaria a emoção pela simples emoção de sambar, como diz o enredo da Leopoldinense Imperatriz, isso sim faz bem à saúde!
Que seja dada a oportunidade aos jurados e ao públicos de vivenciarem uma nova emoção em 2011. Uma emoção como aquela do Cristo da Beija-flôr (encoberto por um saco plástico preto), rompendo com toda a estética luxuosa do próprio J30. Que venha uma emoção como aquela da Kizomba da Vila Isabel, toda vestida em palha e pano de chita, mostrando que o carnaval é muito mais que plumas e paetês. Que venham as emoções que só o samba pode nos dar. Quanto medo de ofender a estética? Quanto medo de ofender aos “consumidores”? Quanto medo de que o jurado possa reviver desfiles memoráveis da própria era sambódromo. São tantos os exemplos de uma Mangueira desfilando em suas alegorias estilo caixote, desbancando o luxo e o requinte… Tão com medo de que? Que descubramos que o desfile pode ser muito mais do que nos é ofertado atualmente? Que re-leituras do passado podem nos trazer um presente muito mais interessante?
É triste não competir. Todos querem competir. Qual cena mais memorável vivida numa olimpíada? Sem dúvida, aquela em que Gabrielle Andersen nas olimpíadas de 1984 chegou ao Coliseu no que me pareceu o maior símbolo de superação, de conquista, de glória. Este é o gosto da competição. O tão falado espírito esportivo. É este o mistério que move os amantes do samba, é o mistério do samba. Esta paixão avassaladora, incondicional, inexplicável.
Abram alas. Deixem a Portela passar. Deixem a Portela vir pra avenida como Portela. Salve o manto azul e branco da Portela. Salve os fundamentos do samba. Salve a águia da Portela, maior símbolo do carnaval carioca.
Toda decisão pode ser revista. Não aceitamos decisões, normas e regras inflexíveis que somente nos gera um sentimento de injustiça.
Que a LIESA tenha sensibilidade para decidir com justiça. Que chegue à estrutura mais próxima do justo.
“O direito não é a justiça. O direito é o elemento do cálculo, é justo que haja um direito, mas a justiça é incalculável, ela exige que se calcule o incalculável; e as experiências aporéticas são experiências tão improváveis quanto necessárias da justiça, isto é, momentos em que a decisão entre o justo e o injusto nunca é garantida por uma regra.” (Jacques Derrida)
Rebaixamento é punição. Não seria justo com Portela, Grande Rio e Ilha.
Disputar é um direito que as coloca em pé de igualdade, seja qual for o resultado. Suprimir este direito seria uma dupla punição. Punição mais perversa, porque não veio da fatalidade (incêndio), mas sim da vontade humana.
Sim, nós podemos! Sim, nós queremos competir.
Autor: Márcio Roberto