Ernani Alvarenga
ERNANI ALVARENGA
Portelense que se incorporou ao grupo logo após sua fundação, Ernani Alvarenga é uma importante figura para a história de nossa escola. Autor do primeiro grande sucesso que a “Vai Como Pode” apresentou em desfile, é sempre reverenciado como um de nossos principais baluartes.
Nascido em 1914, o paulistano Ernani Alvarenga é mais um nome de destaque no “Celeiro de bambas” portelense.
O Portelense da Barra Funda
Ernani Alvarenga é natural da Barra Funda, bairro com grande tradição sambística na capital paulista. Chegou ao Rio com 4 anos de idade, e em Oswaldo Cruz foi morar na antiga rua “B”, hoje Rua Ernesto Lobão, que fica próximo à estrada do Portela.
Em Oswaldo Cruz, o jovem entra em contato com as manifestações rurais e urbanas que fervilhavam no grande caldeirão cultural que era aquela localidade. Alvarenga, como poucos, absorve todos os signos e códigos que ali se condensavam, valores culturais que se manifestariam durante toda a vida do artista.
O Bloco da Rua “B”
Em Oswaldo Cruz, Ernani Alvarenga formou um bloco, que segundo ele próprio se chamava “Bloco da Rua ‘B'”. Alvarenga e seus amigos desfilaram na Praça XI com um bonito samba composto por ele:
“Lá se vai a nossa embaixada
Cantamos e não usamos falsidade
Salve o meu povo suburbano
Que na Praça XI representa liberdade”.
Por volta de 1926, Alvarenga e seus amigos se juntaram ao Conjunto Carnavalesco Oswaldo Cruz, fundado anos antes por Paulo, Caetano e Rufino. A solidariedade do bloco de Alvarenga e seus amigos é considerado um momento decisivo na história da Portela em seus primeiros anos, pois, com a união dos blocos da região, o jovem “conjunto carnavalesco” pôde enfrentar as dificuldades que apareciam nos primeiros difíceis anos.
“Dinheiro não há”
Segundo o próprio Alvarenga contava, em 1932, primeiro desfile oficial da Praça XI, a então “Vai Como Pode” desfilaria com um samba de Paulo. Contudo, quando o líder portelense ouviu o samba de Alvarenga, imediatamente preferiu retirar seu samba, reconhecendo a superioridade da composição do amigo. Quase na hora do desfile, Paulo, empolgado, disse: “Alvarenga, o seu samba é melhor, nós vamos com ele. Vou retirar o meu”.
Abria as portas, assim, para o sucesso de uma das maiores composições que o gênero conheceu na primeira metade do século. “Dinheiro não há”, também conhecida como “Lá vem ela chorando”, tornar-se-ia o primeiro samba apresentado em desfile a fazer sucesso nas rádios.
Ao longo dos anos, esse samba se tornou um verdadeiro clássico, várias vezes gravado por diversos cantores.
“Lá vem ela, chorando
O que é que ela quer?
Pancada não é, já dei
Mulher da orgia quando começa a chorar
Quer dinheiro, dinheiro não há.”
O embrião da ala de compositores da Portela
Naquela época, os compositores não formavam uma ala propriamente dita. O embrião do que anos mais tarde viria a ser a gloriosa ala de compositores da Portela está no grupo de compositores responsáveis pelos sambas da “Vai Como Pode” em seus primeiros desfiles: Alvarenga, Paulo, Caetano, Ventura, Rufino, João da Gente, Alcides e Abelardo se revezavam na tarefa de criar as primeiras obras musicais portelenses, e devemos a eles grande parte do nosso sucesso, pois, desde os primeiros anos, as composições portelenses são sempre lembradas pela beleza e criatividade.
Alvarenga chegou a desfilar também pelo “Papagaio Linguarudo”, escola da Saúde, região central do Rio de Janeiro. Afastou-se da Portela durante um longo período, mas anos mais tarde voltaria para a escola que ajudou a engrandecer.
O “samba falado”
Ernani Alvarenga era conhecido por sua forma especial de cantar baixinho, num estilo que para muitos lembrava o de Mário Reis. Era conhecido no meio musical como o “Samba falado”, pois quase “cochichava” ao microfone. Porém, muitos acreditam que essa forma de cantar não era apenas um estilo, e sim seqüela de uma doença na garganta que o deixou debilitado.
Quando começava a consolidar sua carreira no rádio, Alvarenga sofreu novo problema de saúde, dessa vez nas cordas vocais. O problema interrompeu precocemente a carreira artística do portelense.
A lvarenga chegou a trabalhar no Big Show América, em São Paulo, e na tradicional rádio Mayrink Veiga, do Rio.
Mexendo o caldeirão cultural
Absorvendo tudo que fervilhava em Oswaldo Cruz naquele período, Alvarenga compôs jongos, caxambus, sambas de terreiro, maxixes, sambas-canção, partidos-altos e sambas-exaltação, mesclando toda diversidade cultural que ali se encontrava.
Do universo rural, Alvarenga compôs famosos caxambus. Exímio jongueiro, soube como poucos manter viva a herança dos antepassados escravos. Cantava a natureza, as coisas simples da vida, a dor dos escravos.
Do universo urbano, compôs maxixes, que já faziam sucesso até em Paris; partido-alto, que tinha na Praça XI seu foco de difusão para o resto da cidade; e tudo mais que fazia sucesso na região central.
Para tudo Alvarenga dava sua identidade própria. Mexendo o caldeirão cultural que fervilhava em Oswaldo Cruz, extraía da multiplicidade sua arte, consagrando-se nos mais diversos gêneros e estilos.
Vozes da saudade
Ernani Alvarenga faleceu em 1979. Sua lembrança é a saudade de uma Portela ingênua que, dando seus primeiros passos, buscava sua afirmação ainda como bloco. Reminiscência dos primeiros sambas que a Praça XI ouviu. Memória das primeiras linhas de um longo livro que começava a ser escrito.
São vozes que passariam a ser ouvidas. Canto de felicidade que jamais deixaria de ecoar, coro uníssono que se estenderia através das décadas, sons que se alastram apesar da distância.
É a voz de uma saudade que canta baixinho, quase “cochichando”, nossa própria canção.
Bibliografia:
CABRAL, Sérgio. As escolas de samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Ed. Lumiar, 1996.
CANDEIA FILHO, Antônio & ARAÚJO, Isnard. Escola de samba – árvore que esqueceu a raiz. Rio de Janeiro, Ed. Lidador, 1978.