Roberto Szaniecki
Roberto Szaniecki
2011
O carnavalesco Roberto Szaniecki recebeu a Equipe PortelaWeb no barracão da Cidade do Samba para dar notícias do andamento dos preparativos para o carnaval à família portelense, na semana seguinte à escolha do samba e antes da coroação da nova rainha da bateria, a atriz Sheron Menezes.
Em meio a conversas com o presidente Nilo Figueiredo e o diretor de carnaval Alex Fab sobre as ferragens das alegorias – que já estão sendo montadas – e soluções para as outras em processo de construção, gentilmente pediu um pouco mais de paciência para nos atender. Além disso, alguns destaques da escola também estavam no local para saber detalhes de seus figurinos. Entre eles, o primeiro destaque Carlos Reis, que não hesitou em brincar conosco, fazer elogios ao trabalho do artista e ao andamento das atividades da equipe.
Para quem comenta que a tônica no barracão da Portela é sempre de “tranquilidade” nesta época, de maneira irônica, surpreende-se com o ritmo acelerado, frenético até, podemos dizer. Nossa conversa foi sempre pontuada por uma pausa para atender os assessores, o rapaz que confecciona as peças de argila das quais sairão as placas de acetato, a costureira… Em pleno processo de confecção dos protótipos – ou pilotos, como ele prefere –, Roberto não quer perder nenhum detalhe e faz questão de acompanhar tudo, exigindo não menos que a perfeição; não gostou, pede para refazer. A rotina é essa mesma: exigente, mas também com jogo de cintura, quando se trata de “negociar” com o presidente a qualidade das peças, investimento no projeto e cumprimento do cronograma.
Inteligente, hábil com as palavras e no trato de questões internas, evita polêmicas e demonstra muita satisfação e orgulho por estar “fazendo a maior campeã” do carnaval carioca. Em sua opinião, trabalhar na Portela é lidar com a essência do carnaval.
PortelaWeb – Quais suas expectativas para o carnaval com o samba escolhido?
Roberto Szaniecki – O samba me agrada demais. Atende extremamente bem ao enredo. Nós estabelecemos uma forma de trabalho, em que eu apoiei o trabalho de todos os compositores. Eu não ouvia o samba, mas lia as letras para ajudar no ordenamento dos assuntos e complementações necessárias, para que todos os sambas chegassem à disputa com menos um quesito para derrubá-los. Então seria mais a empolgação, a melodia, com as letras todas compatíveis. E isso deu muito certo, pois todos os quatro sambas que chegaram à final atendiam muito bem ao enredo. Ou seja, só posso dizer que estou muito contente com o samba.
PW – O samba permitiu alguma novidade, alguma informação nova no enredo?
RSZ – Não, de maneira nenhuma. Eu não posso fazer isso. Eu não posso me prender ao samba. Ou o samba colocar alguma coisa e eu não estar trabalhando com isso. Meu mapeamento já está pronto desde agosto e meu ordenamento de fantasias e alegorias também. Eu não posso chegar agora e mudar por conta de algum detalhe do samba.
PW – Que possibilidades estéticas esse enredo permite?
RSZ – Todas. Eu posso trabalhar com luxo extremado, como posso trabalhar com originalidade. Ou até mesmo flutuar entre esses dois caminhos. Temos peças cinematográficas e peças carnavalescas. Tem muita coisa com que podemos brincar no meio do caminho.
PW – A Portela vem com quantos carros alegóricos?
RSZ – 8 carros. Uma acoplagem. Alguns tripés e algumas alegorias de corpo também.
PW – Depois de 30 anos, a Portela retoma a temática do mar. É inevitável a comparação. Você vê alguma aproximação entre os dois enredos?
RSZ – Nenhuma. O primeiro enredo era basicamente uma procissão mítica de seres marinhos. Era um delírio carnavalesco sobre seres do mar. Esse enredo não. Ele fala sobre antropologia e sociologia. Eu venho falando do ser humano que enfrenta esse mar, qualquer que seja o motivo. Ou para conquistar ou para comercializar e atualmente para viajar, para transportar riquezas de um país para outro, víveres. Então, temos que mostrar essa trajetória humana, através de sua história com o mar. A conquista da América, a chegada ao Oriente e outras descobertas. Eu venho trazendo essa história, com seus mitos e medos. Os elementos e instrumentos que guiaram essas descobertas. Eu conto todos esses detalhes em pontos diferentes do enredo, mostrando também a importância que existe hoje da nossa Amazônia azul. Todo nosso eixo costeiro, as duzentas milhas, que tem o pré-sal, que tem um rico “celeiro” de espécies marinhas. Vamos falar do turismo. E tem também os 100 anos do Porto do Rio de Janeiro.
PW – O Porto do Rio de Janeiro foi o ponta-pé inicial para essa viagem?
RSZ – Na verdade, o enredo começou com esquetes. Começou com vários temas isolados. Com o tempo, eu, o Cláudio Vieira e a Marta (Queiroz) começamos a reorganizar os assuntos, construindo o enredo. Uma história que interliga isso tudo. Já tinha o porto, as antigas civilizações, o cinema, as conquistas, os antigos equipamentos. Nós começamos a ordenar os assuntos de forma que as pessoas entendam facilmente a mensagem. Essa ligação íntima que existe entre o ser humano e o mar.
PW – Quando foi lançado o enredo, as pessoas falavam que era um enredo tradicional. Como você espera surpreender o público?
RSZ – Sendo tradicional. Mas sendo o tradicional da Portela. Uma escola elegante, bonita, bem vestida e que conta um enredo do começo ao fim com perfeição, coisa que não tem acontecido com ela, nem com outras escolas também. O nosso diferencial está aí, voltar a fazer um carnaval elegante. Hoje em dia você vê muita coisa entrando na avenida que não se entende o que é. Você vê um monte de penas, plumas, bordados e nada daquilo representa nada. A escola acaba tendo uma boa pontuação pelo visual de conjunto, mas está esquecendo da essência, que são os personagens. Eu estou felicíssimo em resgatar esse trabalho, essa tradição da Portela. E o trabalho está ficando muito bonito.
PW – Nesse resgate, a Portela vem colorida ou azul e branca, com o azul da cor do mar?
RSZ – Ela vem como um rio, azul da cor do mar. Isso dá todas as dicas de como vem a Portela. Ela vem azul e branca. Mas vem pontuada com outras cores, não no todo das fantasias, mas que não brigue com o azul e branco. Veremos a Portela como Portela. Muito azul. Eu estou passeando muito nas tonalidades de azul. Trabalhando com degradês que nunca foram feitos antes. Passo de um setor para outro, entre as alegorias, em degradês, sem quebrar a “cromia”. São ondas de cores na avenida, que é exatamente o que eu quero fazer. O rio que é a Portela, uma brincadeira com Rio de Janeiro, o “rio que passou em minha vida”. Então, esse rio volta com o azul da cor do mar.
PW – Todos sabem que você utiliza muito os recursos da informática para seu trabalho. Você acha que isso dá uma idéia mais próxima do que vai para Avenida?
RSZ – Sim. Proporciona-me uma noção do real. Você consegue simular, com uma facilidade muito grande, tudo que se quer. Podemos ver um exemplo (nesse momento Roberto mostra uma fantasia do setor indiano). Podemos ver todas as placas em 3D já na medida oficial, com todos os acabamentos: as pérolas, os paetês coloridos, os rolotês. Está tudo aqui. Todos os tipos de materiais. Quando vai para a confecção, já está tudo no papel, com uma leitura muito mais precisa.
PW – Isso permite um trabalho sem improvisações
RSZ – Exatamente. Da forma como foi idealizado, não cabem improvisações.
PW – Roberto, seu projeto tem sido muito elogiado. Você acredita que pode levá-lo 100% para avenida?
RSZ – Nenhum projeto vai 100% para Avenida. Mas da forma que estamos trabalhando, podemos chegar a 95%. Eu trabalho de uma forma diferente. Cada roupa quando é idealizada já tem um custo pré-estabelecido. Eu não posso gastar um real a mais. Todo material utilizado na confecção tem que estar dentro da previsão de custo. Se a utilização de um determinado material exceder o valor, eu posso trocar, mas o efeito da fantasia tem que ser o mesmo. O que está no projeto tem que ser visto na Avenida. A forma de execução pode até mudar, mas sem perder o mínimo detalhe.
PW – Ainda sobre fantasia, vai haver algum acompanhamento nas alas de carreira, no que diz respeito às mudanças de materiais?
RSZ – Não. Essas mudanças só são feitas nas alas da escola. Nas alas comerciais o preço também é combinado com o presidente da ala, o custo básico. O protótipo está sendo feito no barracão dentro desse custo e todos os materiais usados são encontrados facilmente no mercado. Então, as alas comerciais não têm nenhuma justificativa para mudar o figurino. Essa preocupação leva em conta também o trabalho dos presidentes de alas, que sofrem bastante com determinados protótipos. Seria muito fácil colocar todos os meus delírios nas fantasias e deixar a responsabilidade para as alas. As coisas não podem ser assim. Há uma idéia de que os presidentes de alas ganham muito dinheiro. O que não é verdade.
PW – Será feita uma festa de apresentação dos protótipos?
RSZ – Nós realmente queremos fazer essa apresentação, mas não temos uma data prevista e nem temos esse compromisso. O que nós queremos é movimentar a escola. É ser mais um “up” para o portelense. Apresentar esse conjunto de fantasias para o componente é mais uma forma de fazer a Portela vibrar. Nós até brincamos essa semana no barracão, dizendo que não vamos mais chamar de protótipo, mas de piloto. Porque numa confecção, primeiro se faz um piloto para depois encaminhar para a produção industrial. E aqui nós estamos fazendo a mesma coisa. A fantasia-piloto, a primeira das 100 que estarão no desfile de uma ala, por exemplo. É muito mais trabalhoso, mas para a seqüência de produção, facilita a parte financeira, a parte operacional, facilita para todos os segmentos envolvidos naquele figurino ou alegoria. É por isso que eu estou acreditando muito nesse projeto, primeiro pela força que a escola tem. A Portela continua sendo um ícone do carnaval do Rio de Janeiro. Ela manteve suas tradições, seus símbolos, manteve suas cores. E esse resgate que é feito hoje, para aquilo que eu falei da elegância da Portela e fazer isso voltar para Avenida com glamour, é tudo que esperam da Portela, que não tem se apresentado assim há muito tempo.
PW – Você acha que conseguindo esses objetivos, estaria também recuperando algo mais carnavalesco que os desfiles tinham?
RSZ – Eu acho que recupera as tradições da Portela. Cada escola tem uma característica própria. A Portela tem que ser pensada com a cabeça do portelense. Eu tenho que ter esse respeito. É preciso ter esse distanciamento entre um trabalho aleatório e a necessidade criativa para cada escola, principalmente a Portela. Eu não posso criar qualquer coisa para a escola. Ela aceita fazer? Aceita. A Portela é uma das escolas mais elásticas, mais flexíveis do carnaval. Ela já entrou de todo jeito. Mesmo com toda essa elasticidade, o que permeia cada uma delas é o que tem como raiz. E as raízes da Portela são muito fortes. Então o diferencial da escola é o resgate dela mesma. É o que mais vai chamar a atenção. É uma águia exuberante. É o nome Portela no abre-alas, que não vemos mais no desfile.
PW – Você já está adiantando como virá a águia?
RSZ – Sim. Uma águia com a suntuosidade da Portela, com letreiro, com movimentos. Nós estamos resgatando todos os pequenos detalhes, que parte são cobranças do próprio inconsciente coletivo do carnaval. A expectativa pela águia não é mais uma coisa só dos portelenses, mas do carnaval. Vou usar alguns exemplos: a irreverência da Caprichosos de Pilares se perdeu; a alegria e o colorido da Ilha também se perderam; o barroco ou o africano do Salgueiro… A Mangueira está passando por essa crise, porque nenhum carnavalesco que chega na escola consegue resgatar as tradições mangueirenses.
PW – Com esse resgate, você está atendendo uma expectativa da escola?
RSZ – Da escola e de todo o grande público, que espera ver aquilo o tempo inteiro.
PW – E pessoalmente, você está abrindo mão de alguma coisa?
RSZ – Olha, cada carnaval é um carnaval. Eu não posso dizer que estou abrindo mão. Eu estou dentro do espírito portelense. A escola me deixa flutuar. O enredo me deixa flutuar na criação, mas eu tenho que observar as necessidades da escola também. Isso é essencial para que o trabalho dê certo.
PW – As alas de comunidade terão 100 ou 120 componentes?
RSZ – Essa conta do número de componentes não é linear. Tem algumas alas que virão com 120, outras com 100, 90… dependendo da função de cada ala dentro do desfile. Não é nem pelo volume, mas pelo que ela representa. Tem várias alas coreografadas. Tem alas que irão interpretar passagens do enredo. A escola vem muito dinâmica. Eu e o Alex Fab estabelecemos que cada setor do desfile tem que ter pelo menos duas atrações. Por exemplo, no setor que vier o casal de MS e PB, que é sempre uma atração, nós temos que ter outra. Pode ser na alegoria ou no chão. Isso vai criando uma expectativa no público pelo dinamismo do desfile da escola na Avenida. Nós só temos que tomar cuidado com o contingente. Pode ser que numa ala com 80 a gente consiga o efeito pretendido, mas que com 100 componentes possa atrapalhar.
PW – Os carros alegóricos virão com muitos efeitos: luz, água…
RSZ – Eu costumo falar sempre que meus carros são lotados de “defeitos especiais”.
PW – Você gostaria de deixar algum recado para os portelenses?
RSZ – Os portelenses podem esperar um grande trabalho. Nós estamos trabalhando duro, com muita vontade, com o coração portelense, e podem ter a certeza de um grande carnaval.