01/11/2024
Crônicas PortelensesMemória

Crônica da coroação de uma Rainha

Crônica da Coroação de uma Rainha

Sharon Menezes em 2012 (Foto: Site Alto Astral)

A mais vaidosa e encantadora das escolas de samba, sem dúvida, mora em Madureira. Floresceu sob a sombra de uma jaqueira, embalou seus cantos no colo de Tia Esther, ganhou porte de nobreza com o príncipe negro Paulo Bejamin de Oliveira, ganhou leveza na roda dos ventos de Dodô e Wilma Nascimento, aguerriu-se com o braço forte de Natal, cresceu alimentada pelo feijão da Tia Vicentina e eternizou-se no canto de sabiá da Clara Guerreira. Nasceu nas veias difusas de Oswaldo Cruz e até hoje enternece corações com seu azul infindo. Porque azuis muitas outras escolas também são, mas o poeta que tentou descortinar o matiz daquele pavilhão foi muito feliz ao expressar a sua imprecisão: “não posso definir aquele azul, não era do céu nem era do mar”. Certa feita, tentou a escola cantar a vaidade na avenida e, fascinada pelo próprio encanto, concluiu o seu enredo falando da vaidade de ser ela mesma. Um samba-enredo em primeira pessoa fez antologia: sintetizou na composição somente essa parte do enredo, e fez o samba mais bonito e vencedor do Estandarte de Ouro daquele ano. No ano seguinte, ela cantou o seu azul. E mais uma vez foi aclamada na avenida!

21 vezes campeã do carnaval. É a Portela, a majestosa Majestade do Samba!

Uma é majestade, a outra foi feita rainha.

Na noite de 29 de outubro, Madureira azulou. Céus e ruas do bairro tomaram cor. As portas da campeoníssima dos carnavais se abriram para receber e empossar sua rainha. Sheron Menezes, a atriz-dançarina, foi convocada para caminhar com graça à frente dos ritmistas da Tabajara do Samba – a extraordinária bateria regida por Mestre Nilo Sérgio, atual vencedora do Estandarte de Ouro. A referida data foi o dia de sua coroação.

Estiveram presentes os integrantes da “família reunida” que Monarco e Candeia cantaram. A Rua Clara Nunes – perfeita homenagem à musa da escola – acolheu uma multidão de corações apaixonados que queriam prestigiar a festa e pisar o solo sagrado daquela quadra. O palco estava iluminado com nuances de céu noturno – um misto de luz da lua com as sombras do firmamento. O palco da Portela parece refletir, sob o fundo em que repousa a imagem de sua águia altaneira, as estrelas do firmamento. Olhar o palco da Portela nos dá a sensação de olhar para o céu.

A quadra da escola fez o tradicional abre-alas, regido pelos artífices da harmonia. No corredor que se formou, portelenses e visitantes se amontoavam para assistir à performance. A bateria esquentava os corações, o vozeirão de Gilsinho preenchia os espaços e cortava os ares. Uma elegantíssima comissão de passistas – trajando elegantes ternos brancos de malandros maneiros, com bengalinhas, chapéu de panamá e camisas azuis – abria os caminhos para a passagem da rainha. Meninas passistas sambavam na quadra, enquanto a comovente passagem das baianas de Oswaldo Cruz e o bailado mágico de Lucinha Nobre e Rogerinho emocionavam os presentes.

Conduzida pela maestria e pela elegância dos malandros portelenses, Sheron chegou finalmente ao palco para ser coroada pelo presidente da escola e pelo Rei Momo. Em seu discurso de agradecimento, sintetizou seu carinho e sua preferência pela escola desde menina, dizendo que ainda não tinha “caído a ficha”. Sheron estava linda e era pura emoção.

A noite, como não podia deixar de ser, vestiu-se de azul e branco e seguiu madrugada afora, com o calor do samba e o afeto natural dos amantes e admiradores da escola. Diretores dançavam felizes, abraçados, contentes. Havia um pouco de Paulo da Portela, Natal, Candeia, Clara Nunes e Elizeth Cardoso naquela festa.

A escola, renovada, exibe seu séquito de jovens fiéis ostentando camisas, águias e todos os símbolos possíveis que traduzem essa paixão e esse orgulho que só os portelenses têm. Pastoras e pastores vêm chegando da cidade e da favela. Tudo na Portela é um esplendor. Desaparecem suas mágoas, linda flor! Todos corriam pra ver… pra ver quem era! Portela! Portela! Uma corrente faz a gente, sem querer, sambar!

Ciente de que não é sozinha e de que precisa do brilho das coirmãs para reinar, a Águia cantou sambas de várias outras agremiações para saudá-las como convidadas daquele encanto. Mangueira, Mocidade, Império, Vila Isabel, União da Ilha, Beija-Flor, Imperatriz… todas gentilmente lembradas. Porque uma Majestade precisa ser, acima de tudo, cortês. E cortesia é dádiva que sobra na elegância portelense.

A noite na Portela é sempre prenúncio de um novo dia. O samba rompe certeiro e, no alvorecer, ficam os traços daquela gente bronzeada que pisou o chão da escola.

A bateria da escola já tem a sua rainha. Mas a Majestade, sem dúvida, ainda sobeja encanto e graça sem igual. Ela veste azul e branco e já viu você chorar na hora do seu desfile encerrar. A verdadeira Majestade é a deusa do samba, e o passado revela. Seus valores não têm fim… linda como um mar azul… meu grande amor, minha Portela!

Há muito mais a se contar numa crônica de uma festa portelense como aquela. Faltam palavras e sobra emoção. A Portela é poesia que se sente mais do que se escreve. Tomaria emprestados os versos poéticos do nosso monarca Monarco…

Juro que não posso me lembrar. Se eu for falar da Portela, hoje não vou terminar!

 

Autor: Hélio Ricardo Rainho

 

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