Boaventura dos Santos
BOAVENTURA DOS SANTOS
Em uma de suas mais famosas obras, Monarco diz: “Se eu for falar da Portela, hoje eu não vou terminar”. Feliz da escola que tem uma história tão rica e gloriosa quanto a nossa. São conquistas históricas, sambas antológicos e personalidades que formariam uma interminável escritura, a essência da verdadeira enciclopédia musical brasileira. Se nossa história fosse realmente um livro, algumas das páginas mais bonitas teriam sido escritas por Boaventura dos Santos, ou simplesmente Ventura, compositor que figura em lugar de destaque em nossos mais importantes capítulos. O que escrever, por exemplo, sobre os nossos “sete anos de glória”? Ventura foi um dos principais protagonistas desse feito histórico, musicando algumas de nossas principais conquistas. Abramos agora mais uma vez o livro de nossa história para exaltar mais essa importante personagem de nosso “Celeiro de Bambas”.
O carpinteiro do samba
Boaventura dos Santos, o Ventura, nasceu em 14 de julho de 1908. Sua vida foi, como a de tantos outros companheiros, um exemplo das dificuldades que o artista popular precisa enfrentar. Apesar de seu talento, labutou como carpinteiro da fábrica da GE de Maria da Graça, precisando conciliar sua profissão com seus dotes musicais. Pai de sete filhos, Ventura enfrentou com firmeza as dificuldades que encontrou em sua vida.
Compositor da Portela
Com samba de Ventura, a Portela desfilou “Carnaval da vitória” em 1933, ano em que as escolas ainda se apresentavam cantando mais de uma obra e sem qualquer vínculo com o enredo apresentado. Se a primeira experiência rendera apenas a 4º colocação, foi com sambas de Ventura, anos mais tarde, que a Portela conquistou três dos sete campeonatos que compõem os seus “sete anos de glória”. Foram de sua autoria os sambas dos campeonatos de 1945, “Motivos patrióticos”; 1946, “Alvorada do novo mundo”; e 1947, “Honra ao mérito”.
O gogó de ouro
Tarefa árdua era desempenhada pelos antigos mestres de canto nos primeiros anos das escolas de samba. Sem qualquer tipo de auxílio, seguravam literalmente o samba e a harmonia usando apenas a potência de suas cordas vocais, improvisando na segunda parte. Independentemente do autor do samba portelense, a escola contava com a presença de Ventura no desempenho dessa difícil missão. Ao lado de Alcides e João da Gente, temos os três principais cantores da Portela, chamados carinhosamente de “os três gogós de ouro da Portela”.
Sodade do Cordão
Quando, em 1940, Heitor Villa-Lobos criou o “Sodade do Cordão”, com a intenção de reviver os antigos carnavais, já saudosos naquela época, Ventura se tornou um dos principais responsáveis pelo sucesso do grupo, ao lado do também portelense Claudionor Marcelino e de Zé Espinguela, Antenor, Delfino e Euzébio Coelho. A iniciativa do maestro, aliada ao talento dos artistas populares envolvidos, obteve um sucesso tão grande que entrou para a história do carnaval carioca, exemplo para esta época em que os carnavais, cada vez mais, parecem se descaracterizar ano após ano.
Ventura da Velha Guarda
No início dos anos 70, Ventura participou da gravação do primeiro LP da Velha Guarda, “Portela, passado de glória”. Nessa gravação, a voz inconfundível do compositor ficou gravada para a posteridade. Em seus primeiros shows, quando o grupo portelense iniciava sua trajetória, Ventura era figura constante, tendo participado, inclusive, do show em comemoração aos 50 anos da Semana da Arte Moderna de São Paulo.
Se a Velha Guarda começava sua trajetória, infelizmente Ventura teria pouco tempo de parceria com os velhos companheiros. No dia 6 de maio de 1974, enquanto o conjunto ainda dava seus primeiros passos, Ventura deixava o grupo para integrar a Academia de sambistas celestiais, permanecendo eternamente em nossa memória. Deixou como legado obras como “Vem morar comigo”, em parceria com Ariosto, e “Se tu fores na Portela”, incluída no primeiro álbum da velha guarda.
Um livro de sentimentos
E lá se vão mais de oitenta anos de glória. Frias e simples palavras, meras combinações de letras e fonemas, não são suficientes para descrever tão linda trajetória. Nossos oitenta anos são uma coletânea de alegrias, tristezas, sorrisos, lágrimas, amores, ódios e outros sentimentos, opostos ou complementares, que se entrelaçam formando uma unidade chamada Portela. Abrindo nosso “livro de sentimentos”, compreendemos a mística portelense, sofrendo com suas dores e rindo com suas alegrias. Ser portelense, em suma, é compartilhar desses sentimentos comuns.
É só assim, através de sentimentos, que podemos entender a obra de Boaventura dos Santos, o eterno Ventura, e conhecer sua importância para a Portela. Com a força de sua voz, ergueu nosso nome ao mais alto patamar que poderíamos alcançar. Com a beleza de suas letras, ajudou a construir nossas glórias, muito além de sete anos.
Quem sente os sentimentos da Portela, sente a importância de cada uma de suas figuras ilustres. Sente a ausência, nos momentos de tristeza, e a presença, nos momentos de alegria. E entre esses personagens que nos fazem mais portelenses, temos, em algumas das páginas mais importantes de nosso “livro de sentimentos”, o nome de Boaventura dos Santos.
Pesquisa e criação de texto: Fábio Pavão
Bibliografia:
VARGENS, João Baptista M & MONTE, Carlos. A Velha-Guarda da Portela, Rio de Janeiro, Manati, 2001.
CANDEIA FILHO, Antônio & ARAÚJO, Isnard. Escola de samba – árvore que esqueceu a raiz. Rio de Janeiro, Ed. Lidador, 1978..