15/05/2024
Discografia da PortelaMemória

LP de 1957

LP de 1957

A vitoriosa escola de samba Portela

Considerado pelos colecionadores o primeiro LP gravado com o nome da agremiação de Oswaldo Cruz, “A Vitoriosa Escola de Samba Portela” foi produzido pela gravadora Sinter, que depois passou a se chamar Companhia Brasileira de Discos.

A Sinter, fundada em 1955, foi a primeira gravadora a lançar long-play no Brasil, sendo comprada pela Philips em 1958.

Produzido em 1957, ano em que a Portela foi campeã com “Legados de D. João VI” – samba de Candeia, Waldir 59 e Picolino -, o lado A traz as faixas “Exibição de ritmo”, “Banalidade” (J. Barbosa e Ventura), “Minha Vontade” (Chatim), “Legados de D. João VI” (Candeia, Picolino e Waldir 59), “Minha Querida” (Manacéia), “O lenço” (Monarco e Francisco Santana) e “Brasil Glorioso” (Boaventura dos Santos). No lado B, “Exibição de Ritmo”, “Despertar de um Gigante” (Candeia, Picolino e Waldir 59), “Vem Amor” (Casquinha), “Chuva” (Hortêncio Rocha), “Grande Amor” (Querosene), “Brasil Poderoso” (Candeia, Picolino e Waldir 59) e “Hino Portelense” (Chico Santana).

LADO A

O disco começa com uma demonstração rítmica de instrumentistas portelenses, que não é exatamente a de sua bateria em desfile. Um surdo de terceira alto abre a batucada precedido de um apito que vai aparecer na maioria das faixas. Não se ouve caixa ou repique, mas cuíca, tamborim, reco-reco e agogô. A faixa é curtíssima, com 54 segundos. Se a gravadora optasse por registrar a bateria no terreiro da escola, teríamos um documento sonoro de incomparável raridade.

“Banalidade”, de Barbosa e Ventura, é um samba exaltação. Ventura foi membro da Velha Guarda e autor de vários sambas de enredo e de terreiro. Na letra deste samba, o autor canta que para a Portela, apesar de despida de vaidades, as vitórias são banalidades. O samba é acompanhado de solo de trombone e coro de pastoras. Um agogô ao fundo desenha a melodia. A letra, curta e objetiva, marca o estilo dos sambas de terreiro da época.

Em seguida temos “Minha Vontade”, de Chatim (Thompson José Ramos), um dos tamborinistas da Portela e das gravações deste LP. Samba muito cantado até hoje é um dos clássicos da ala de compositores da escola. Nesta versão, ele ganha solo de trombone e agogô. “Quero viver como passarinho. . .”, diz a melodia, que ficou muito famosa.

Samba-enredo vencedor do carnaval de 1957, “Legados de D. João VI”, de Candeia, Picolino e Waldir 59, é a primeira obra do gênero neste long-play e ocupa a quarta faixa. A trinca é autora de outros sambas também gravados neste trabalho. O andamento é de estúdio e segue o mesmo estilo de arranjo dos sambas anteriores.

Manacéa não poderia faltar neste primeiro disco da Portela. “Minha Querida”, de sua autoria, foi a composição escolhida para marcar a presença dele neste disco. O tema é o amor do sambista por sua cabrocha. Nesta época, Manacéa já havia encerrado sua participação em sambas-enredo da Portela, onde emplacou quatro vitórias.

“O lenço”, do então jovem Monarco, ocupa a penúltima faixa do lado A e é outro samba bastante conhecido pelos portelenses, sempre lembrado nas rodas de samba. “Enxugue o pranto, diga adeus e vá embora” é a parte da letra mais recordada. Na ocasião, Monarco já estava há 6 anos na ala de compositores de Oswaldo Cruz. O amor não correspondido foi a inspiração para este lindo samba.

Fechando este lado vem “Brasil Glorioso”, outro samba-enredo vitorioso da escola. Com esse samba de Ventura, a Portela venceu o carnaval de 1945. É um samba nacionalista e de exaltação do Brasil, influenciado pelo varguismo, pelo clima da II Guerra Mundial e pela campanha da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália. Ao ouvir a melodia dá para imaginar os antigos desfiles com as baianas marcando o andamento do samba no arrastar dos tamancos no asfalto. No entanto, a gravação foi feita em estúdio.

LADO B

Abrindo o lado B do LP, voltam os instrumentistas portelenses com mais uma “Exibição de ritmo”. Aqui se ouve melhor uma das características da Bateria da Portela: seu surdo de terceira que é diferente das outras escolas. Ouve-se também uma caixa de guerra batida para esse acompanhamento. Mais uma vez lamentamos o fato de o áudio da bateria em desfile não ter sido captado para abrir este lado do LP.

Na faixa 2 do lado B, talvez tenha havido uma pequena confusão dos organizadores do LP. “Despertar de um Gigante” foi samba composto por Manacéa para o carnaval de 1949, cujo tema era o Brasil. No entanto, o samba gravado nesta faixa fala da capitania de São Vicente, fundada em 1554 e que viria a ser depois parte do Estado de São Paulo. Em 1954, a Portela desfilou com o samba-enredo “São Paulo, Quatrocentão”, de Picolino e Waldir 59, em homenagem aos 400 anos da antiga capitania hereditária. Isso significa que houve um engano ao escrever o nome do samba. Onde se lê “Despertar de um Gigante” é, na verdade, “São Paulo, Quatrocentão”.

“Vem amor”, de Casquinha, retorna com o tema do amor do sambista por sua cabrocha. Outro samba ainda hoje muito cantado pela escola em shows e apresentações na quadra. Otto Enrique Trepte, o Casquinha, foi levado para a Portela entre o final dos anos 40 e o início dos anos 50 por Candeia. Este samba permitiu que ele ingressasse na ala de compositores da escola.

Na sequência aparece “Chuva”, que começa com um pequeno desencontro do cavaquinho na introdução, logo acertado. Samba-canção de Hortêncio Rocha, um dos parceiros de Candeia, tem estilo melódico bem diferente dos demais sambas deste LP.

“Grande Amor” já vem com uma pegada “mais moderna” para a época. O assunto da composição é o tema preferido desse período nos sambas-canção: o amor perdido. Seu autor, Querosene, é compositor praticamente esquecido. 

“Brasil Poderoso”, mais um samba-enredo de Candeia e Waldir 59, deu o vice-campeonato à escola em 1956. É o único samba no LP com coro masculino. A obra já apresentava as características dos sambas conhecidos como “Lençóis” – de letra longa.

Encerrando esta rara obra fonográfica vem “Hino Portelense” ou “Hino da Portela”, de Chico Santana, outro baluarte da escola e membro da Velha Guarda. O samba conhecido por todos os portelenses levou Chico Santana a ser considerado o compositor símbolo da Portela.

Na contracapa, texto do jornalista Sérgio Porto – o famoso Stanislaw Ponte Preta – cita pastoras e compositores portelenses grafando Monarco como Mônaco. Porto descreve ainda os ritmistas que participaram da gravação do disco e que seriam membros da bateria da Portela: Dadá e Alcides (cuíca), Dilson (surdo), Waldir e Gatão (agogô), Joaquim (ganzá), Jorge, João e Chatim (tamborim), Adelino (tarol) e Aolemar (pandeiro). No coro de pastoras, Marlene (filha de Nozinho e Dagmar), Iramar, Mocinha, Iranety (Tia Surica) e Conceição.

Uma revista de grafismo da época em que foi gravado o LP, chamada “Grafas” (1958), revela curiosidade sobre a capa ilustrada por Lan. Nela foi publicada a seguinte nota: “A contracapa (do LP) é ótima, com completas informações dadas por Sérgio Porto, um estudioso do assunto. A capa também estaria ótima se deixassem o desenhista Lan resolver o assunto sozinho. Mas, depois do ótimo desenho de Lan reproduzindo tipos de uma escola de samba, deixaram que Ronald fizesse suas barbeiragens tornando a capa totalmente errada. Em seu primarismo, Ronald, que não entende escola de samba sem morro, sapecou um morro cheio de barracos e com luz elétrica. Ao lado não resistiu em colocar um arranha-céu, com algumas antenas de televisão e pronto, lá se foi o belo trabalho de Lan para o beleléu”, descreve o texto da revista sem revelar autor.

Pesquisa e texto: Marcello Sudoh, ritmista da Bateria da Portela, colaborar do Departamento Cultural da Portela e Presidente do Consulado da Portela no Japão
(Copyright © – Todos os direitos reservados – É proibida a reprodução total ou parcial)

Deixe uma resposta

error: Copyright! Conteúdo protegido!
%d blogueiros gostam disto: