22/11/2024
EspeciaisVelha Guarda

Paulo da Portela

1ª Parte: “Inspiração Eterna” 

O ano é 1901, início do século XX. Recém-libertada das correntes da escravidão, a população negra, excluída da nova ordem econômica que então se iniciou, definhava pelos guetos e vielas, esquecida pelas autoridades competentes do antigo distrito federal. 

Legados à própria sorte, suas vidas padeciam diante da falta de higiene à qual eram submetidos. Suas crianças eram dizimadas pela alta taxa de mortalidade infantil, tornando o crescimento dessa parcela esquecida da população praticamente nulo, para a explícita alegria da elite dominante.

Em meio às transformações que o novo século estava trazendo em seu início, parte do Rio de Janeiro curtia as novidades que chegavam da Europa. A outra parte da população, entretanto, estava muito distante das maravilhas que o novo século anunciava. Viviam ainda presos. Não mais nas senzalas, é verdade, mas nos barracos em que conseguiam sobreviver. Se não usavam mordaças, seus gritos eram calados pela indiferença. Se não mais sentiam a dor do chibata, apanhavam do preconceito que os desacreditavam.

A população negra sabia que ainda estava muito distante do século XX, mas não podia imaginar que paradoxalmente também estava tão próxima. Vivia ainda presa ao passado, sofrendo como nos tumbeiros que cruzavam os mares, mas por outro lado preconizava o que seria uma das marcas de todo o século recém-iniciado: as desigualdades sociais.

Na região da Saúde, próxima ao centro do Rio, os negros formavam a chamada “pequena África do Rio de Janeiro”. Se sobreviver era um desafio, preservar as tradições herdadas era questão de honra. E os negros venceram o desafio pela vida. A religiosidade e a cultura africana, apesar da perseguição, mantiveram-se como símbolos da resistência e da vitória.

  Iluminado foi o dia 18 de junho, dia em que um menino negro vingou. O menino chamava-se Paulo, e apenas isso era suficiente para comemorar. Com certeza ninguém imaginou que o pequeno Paulo, chegado na virada do século, pudesse ir muito além do que simplesmente vencer a difícil batalha pela vida.

 Filho de Joana Baptista da Conceição e Mário Benjamim de Oliveira, Paulo Benjamim de Oliveira foi uma daquelas pessoas que já nascem predestinadas. O menino Paulo cresceu e brilhou intensamente. Como se estivesse cumprindo uma missão, difundiu a cultura negra, propagou o samba por onde passou, lutou pela dignidade de seu povo e foi um dos maiores responsáveis pelo surgimento e pelo crescimento das escolas de samba.

 Elegantemente vestido, Paulo impunha respeito. Foi compositor, compôs o primeiro samba-enredo de que se tem notícia, participou de filmes, representou a música brasileira no exterior, foi cidadão-samba, marcou sua posição política, recebeu de igual para igual professores, embaixadores, ministros e empresários estrangeiros, fez uso do microfone das rádios para lutar contra os estigmas que marcavam os negros e os sambistas. Poucos se atreviam ou podiam fazer isso, mas Paulo era diferente – ele era especial.

 E Paulo cumpriu como ninguém sua missão em nosso planeta. Sua maior obra foi a nossa Portela. Paulo plantou nossa semente, foi nosso primeiro presidente, compôs nosso primeiro samba, incentivou os mais jovens e nos fez conhecer o prazer das primeiras vitórias. Nossa primeira sede foi justamente em sua casa, e graças à sua liderança conseguimos andar sozinhos e trilhar nosso vitorioso caminho.

 Paulo da Portela, como ficou eternizado na memória de todos os sambistas, foi também um grande defensor de Oswaldo Cruz e do subúrbio. A fama que alcançou nunca o fez esquecer do bairro em que chegou ainda jovem e viveu até seus últimos dias, deixando seu amor por essa parte da cidade esquecida por muitos em algumas músicas eternas.

 Paulo, Portela e Oswaldo Cruz são três partes de um todo. É impossível compreender um sem entender os outros dois. É difícil explicar, é mais fácil ir até Oswaldo Cruz, sentir e ouvir. Sentir a presença de Paulo e ouvir o som que ecoa da Portela, apenas assim compreendemos que Paulo, Portela e Oswaldo Cruz são na verdade a mesma coisa.

 Como toda estrela que brilha mais intensamente é a primeira que se apaga, Paulo nos deixou em 31 de janeiro de 1949. Mas o professor ainda permanece vivo na Portela, sua presença ainda é sentida em Oswaldo Cruz , um ideal que se renova através das gerações.

 O ano agora é 2001, início do século XXI. Cem anos após o nascimento do menino Paulo, sua presença se faz sentir ainda mais forte, em iniciativas que resgatam suas atividades artísticas e sociais. Durante o ano, a Portel@web estará realizando uma pequena homenagem ao nosso querido professor, lembrando todos os meses vários fatos que marcaram a vida de nosso mestre, resgatando para as novas gerações de portelenses quem foi Paulo da Portela, um exemplo que nunca pode ser esquecido.

 

2ª Parte: ” Construindo o sonho”

Numa época em que o carnaval das classes populares era sinônimo de arruaça e baderna, influência dos antigos entrudos, a liderança de Paulo surge para organizar e valorizar a atividade cultural que essa parcela da população estava produzindo. Os antigos blocos despertavam medo. Muitos saíam às ruas com o único intuito de promover brigas. Mas Paulo percebia que poderia ser diferente. Percebia a riqueza daquela manifestação, e sabia que era preciso mudar a imagem negativa que aquelas manifestações carnavalescas despertavam na sociedade. Difícil? Talvez. Mas não impossível para Paulo Benjamim de Oliveira e sua incrível liderança, que cedia a essas temidas instituições a credibilidade que sua própria imagem transmitia. 

A primeira atividade carnavalesca de que Paulo participou foi o bloco “Moreninhas de Bangu”, que tinha organização semelhante aos ranchos, principal manifestação carnavalesca daquele período. O samba ainda não havia se difundido, e a estrutura dos famosos ranchos inspirava tudo que surgia nas classes populares . Mesmo o primeiro bloco surgido em Oswaldo Cruz , o “Ouro sobre Azul”,  também fundado por Paulo, cantava marcha-rancho. Só mais tarde o samba passaria a fazer parte do dia-a-dia daquela população.

No bloco “Baianinhas de Oswaldo Cruz”, liderado por Galdino, Paulo exercia a função de 2º diretor de harmonia. Naquele bloco, Paulo conhece Rufino e Caetano, unindo pela primeira vez o trio que seria responsável pelo sucesso da Portela em seus primeiros anos.

A Portela, então um bloco chamado “Conjunto Carnavalesco Oswaldo Cruz”, é fundada após um desentendimento dos três com Galdino, líder e idealizador do “Baianinhas”. No “Conjunto Carnavalesco Oswaldo Cruz”, Paulo se torna o primeiro presidente, conduzindo os destinos de nossa escola em seus difíceis primeiros anos de existência.     

Sua casa, na “Barra Preta”, em Oswaldo Cruz , se torna a primeira sede da Portela. Paulo concedeu a Dona Martinha, antiga escrava africana, a tarefa de batizar nossa escola, consagrando os santos de devoção que até hoje regem os destinos de nossa agremiação. 

Paulo foi o pilar que sustentou a Portela em seus primeiros anos. No trem que saía todos os dias pontualmente às 18:04h da Central do Brasil com destino a Deodoro, Paulo organizava as reuniões do grupo, uma vez que, diferente de outros blocos do período, quase todos da Portela trabalhavam no Centro da cidade, tornando o trem da volta o único ponto de encontro diário possível. Durante a viagem até Oswaldo Cruz, o grupo discutia os assuntos referentes à Portela e repassava os sambas que seriam apresentados. Surgia, assim, a inspiração para o atual “Pagode do trem”, tradicional festividade realizada todo dia 02 de dezembro, o Dia do Samba. 

Com Paulo, a Portela começou a trilhar seu vitorioso caminho. Por intermédio seu, Heitor dos Prazeres, figura já conhecida nos tradicionais redutos de samba, passou a fazer parte de nossa escola, compondo o samba vencedor do primeiro concurso de samba da História, realizado no terreiro de Zé Espinguela, no Engenho de Dentro, em 1929. 

Não é exagero afirmarmos que a Portela foi inicialmente apenas um sonho de Paulo. Sonho que Paulo sonhou e concretizou. Nos primórdios das escolas, era difícil conseguir pastoras para desfilar. Paulo, com o respeito que despertava, passava de casa em casa e se responsabilizava junto aos pais das moças de Oswaldo Cruz pela segurança de suas filhas, construindo, assim, seu sonho.

Foi difícil? Claro. Mas não impossível para quem luta por um objetivo. A Portela era uma escola diferente das demais. A Portela tinha Paulo. Era o sonho de Paulo. Paulo da Portela.

 

3ª Parte: ” Portela de Paulo”

Logo nos primeiros desfiles, a Portela demonstrava que estava destinada a ser a principal escola do carnaval carioca. Paulo, o líder, era o principal responsável por esse sucesso, decidindo os destinos da agremiação que ajudou a fundar ao longo de toda a década de 30. Paulo era mestre de canto, responsável por segurar o samba da Portela, ao lado de João da Gente, responsável pelos versos de improviso, e Cláudio Bernardo. Não é exagero afirmarmos que Paulo, além de primeiro presidente, foi também o primeiro “puxador” de samba que a Portela apresentou em seus desfiles.

 Em 1932, o jornal “Mundo Esportivo” patrocinou o primeiro concurso das escolas de samba. Paulo havia composto um samba especialmente para o desfile, mas abriu mão de sua obra em favor do samba “Lá vem ela”, de Ernani Alvarenga. Seria comum que Paulo, na condição de líder do grupo, fizesse questão de ter seu samba cantado em desfile, afinal, a vaidade está presente em todos os seres humanos. Mas Paulo era diferente. Era um verdadeiro líder. E apenas os verdadeiros líderes estão acima das pequenas fraquezas humanas. Paulo percebeu a preciosidade que era a obra de Alvarenga, e o desfile mostrou que ele tinha razão, pois “Lá vem ela” foi o grande sucesso do carnaval de 1932, transformando-se no primeiro samba cantado em desfile a fazer sucesso nas rádios.

Paulo também era uma espécie de “diretor de harmonia”, função que não existia na época. As pastoras e os componentes da escola, de uma maneira geral, eram ensaiados por Paulo, recebendo, também, preciosas informações de como se comportar nos desfiles. Foi assim também nos anos de 1933 e 1934, quando a Portela, mesmo não conseguindo o título, se consolidava como grande escola.

Em 1935, a Portela conseguiu seu primeiro campeonato, e justamente no primeiro concurso oficial de escolas de samba. Paulo compôs “Guanabara”, um dos sambas cantados nessa gloriosa vitória. Após o carnaval, a escola viu-se obrigada a trocar o nome que ostentava até então. Paulo, defendendo o antigo nome, relutou em aceitar a mudança do nome para Portela, mesmo nunca tendo sido conhecido por “Paulo da Vai Como Pode”.

Diante dos vários compromissos que a fama estava trazendo para Paulo, a Portela foi obrigada a desfilar nos anos de 1936 e 37 sem o empenho de seu principal líder. Os reflexos dessa ausência foram sentidos durante as confusas apresentações que a escola realizou nesses anos. Mas as confusões não se limitaram aos desfiles da Portela. O carnaval, de uma maneira geral, refletia a turbulência que a política brasileira estava atravessando.

Em 1939, Paulo finalmente pôde se dedicar novamente a sua escola. Livre de seus compromissos, já consagrado como um dos maiores artistas do país, Paulo comandou sua Portela em seu segundo título. Recebendo aplausos de uma Praça XI lotada, a escola apresentou o histórico “Teste ao samba”, em que Paulo foi o responsável pelo enredo e pelo samba apresentado, considerado por muitos especialistas como o primeiro samba-enredo da história.

Foi literalmente uma aula de samba. Vestido de professor, Paulo, diante da comissão julgadora, entregava diplomas aos componentes da escola, fantasiados de alunos. A cena, que entrou para a história do carnaval e das escolas de samba, fez a figura de Paulo ser eternizada como “professor”.

No ano seguinte, Paulo idealizou o enredo “Homenagem à Justiça”, desenvolvido por Lino Manuel dos Reis, e novamente compôs o samba apresentado em desfile. Mas o sucesso do ano anterior não se repetiu e a escola ficou com a 5ª colocação, sua pior classificação até aquele ano.

Podemos definir os anos em que Paulo esteve à frente dos destinos da Portela como os anos em que a escola se estruturou e se consolidou como grande agremiação. Foram nove carnavais e dois títulos. A Portela engatinhava como escola de samba. No início da década de 30, muitas escolas surgiram e desapareceram, poucas sobreviveram e chegaram às décadas seguintes. A Portela, a Portela de Paulo, foi uma dessas raras exceções. Agora, a Portela atingira a maioridade, poderia andar sozinha. Paulo seguia seu caminho.

 

4ª Parte: ” A emancipação de um filho urso” 

Paulo fez a Portela nascer. Seguindo o exemplo de Paulo, a Portela descobriu sua vocação para a vitória. A separação entre Paulo e a Portela foi como a emancipação de um filho. Foi dolorosa, difícil, mas ambos conseguiram sobreviver. Paulo jamais esqueceu a Portela. A Portela, em cada vitória, lembrava de Paulo. Ambos jamais voltariam a se encontrar, mas, de certa forma, nem precisavam, pois já estavam eternamente marcados e unidos.

Os acontecimentos de 21 de fevereiro de 1941 ainda permanecem confusos para a maioria dos portelenses que viveram aquele momento. O início do desfile se aproximava. Todos na Portela esperavam ansiosos por Paulo. De repente, o professor chega trajando um terno preto com listas brancas. Estava acompanhado de Cartola e Heitor dos Prazeres, velho conhecido dos antigos portelenses. A alegria, no entanto, é substituída pela perplexidade. Paulo discute com Manuel Bam-Bam-Bam, levanta a corda e vai embora. Antes, porém, vira-se para a bateria de mestre Betinho e faz um sinal, autorizando o início da apresentação, como sempre fizera desde os primeiros desfiles.

Sem entender por que Paulo abandonara o desfile, os portelenses entraram na avenida com muita garra, cientes de que teriam que vencer mais esta dificuldade. Apesar da grande exibição, que resultaria no terceiro campeonato da escola, os comentários de todos os componentes após o desfile, realizado nos escombros da Praça XI, que começava a desaparecer para ceder lugar à imponente Avenida Presidente Vargas, era apenas um: o desentendimento de Paulo com Manuel Bam-Bam-Bam.

Com o passar dos anos, os acontecimentos de 1941 tornaram-se mais claros. Segundo Marília T. Barboza e Lígia Santos, biógrafas de Paulo da Portela, o desentendimento foi motivado pela presença de Heitor dos Prazeres, que teve uma séria desavença com os portelenses e deixou a escola após a briga com Antônio Rufino, em 1929. Manuel Bam-Bam-Bam, que na ocasião tomou as dores do amigo Rufino, encontrava o antigo desafeto 11 anos depois, e pronto para desfilar pela Portela.   

Manuel Bam-Bam-Bam quis fazer valer uma determinação do próprio Paulo, e disse que eles só poderiam desfilar se estivessem vestindo roupas azuis. O valentão da Portela, como Manuel Bam-Bam-Bam era conhecido, ainda abriu uma exceção para Paulo, dizendo: “O senhor pode desfilar com qualquer roupa, eles não, só de azul”.   

Paulo, solidário com os amigos do “conjunto carioca”, que, voltando de um show em São Paulo , decidiram que os três iriam desfilar juntos na Portela, na Mangueira e na De Mim Ninguém se Lembra, respectivamente as escolas de Paulo, Cartola e Heitor, não poderia admitir a imposição de Manuel Bam-Bam-Bam, e também abandonou o desfile da sua Portela. Paulo não deixou os amigos Heitor e Cartola. Manteve-se fiel aos princípios que achava justos, mesmo que tivesse que brigar com a sua Portela.

Na casa de Cartola, no morro da Mangueira, Paulo afogava as mágoas com os amigos. Somente após o resultado final Paulo retornou para a Portela, acompanhado de Cartola, Carlos Cachaça e de Chico Porrão, o valente da Mangueira. O clima era tenso. Enquanto o sempre educado Cartola procurava contornar a situação, Manuel Bam-Bam-Bam disse a frase que afastaria para sempre Paulo de sua escola do coração: “Nós não queremos mais esse moleque aqui”.

Ainda acompanhando o raciocínio de Marília T. Barboza e Lígia Santos, a posição de Manuel Bam-Bam-Bam, que por uma questão de justiça devemos dizer que era também o ponto de vista da grande maioria dos portelenses, era a de que Paulo deveria escolher se ficaria com a Portela ou com Heitor. Ao se solidarizar com Heitor, ignorando os antigos problemas entre a Portela e o famoso compositor, Paulo havia deixado claro que ficaria ao lado do amigo, conseqüentemente traindo a confiança dos portelenses.

Quem tinha razão? A briga poderia ser evitada? Fica difícil chegarmos a uma conclusão 60 anos depois. Paulo jamais voltaria para a Portela. Quando havia decidido esquecer as brigas e fazer o que seu coração mandava, sua saúde não permitiu. Durante seu velório, sua esposa Maria Elisa impediu, mesmo com os pedidos de Natal, que a bandeira da Portela fosse colocada sobre o caixão. Na memória dos antigos portelenses, ficou marcada a frase proferida por Paulo após ser chamado de moleque por Manuel Bam-Bam- Bam: “Senhores, senhoras e crianças da Portela, vós sois uns ursos”.

 

5ª Parte: ” A Lira de Paulo” 

Paulo custou a se recuperar de seu complicado afastamento da Portela. De volta aos principais redutos de samba, percebeu que seu sucesso continuaria independentemente de estar ou não ligado à escola. A imprensa continuou dando um imenso destaque a Paulo, que sem dúvida nenhuma foi uma das personalidades mais conhecidas do Rio de Janeiro nas décadas de 30 e 40.   

Ainda em 1941, Paulo ingressou na Lira do Amor, cuja sede ficava na Rua Pacheco da Rocha, em Bento Ribeiro. Paulo assumia o difícil desafio de transformar a pequena escola de Bento Ribeiro, bairro vizinho a Oswaldo Cruz, numa grande escola de samba. Apostava em seu carisma, na sua capacidade, e nos amigos que construíra ao longo da vida. Alguns portelenses, como a pastora Eunice, atual integrante do conjunto da velha guarda show da Portela, acompanharam Paulo em sua difícil empreitada.  

Para os componentes da Lira do Amor, o reforço de Paulo representava a oportunidade de a escola disputar de igual para igual com as principais agremiações do carnaval carioca. Entretanto, até os mais otimistas sabiam que mesmo Paulo da Portela teria muito trabalho para alcançar esse objetivo.

Logo no primeiro carnaval após a chegada de Paulo, em 1942, a pequena Lira não desfilou. Paulo não resistiu, e foi assistir ao desfile de sua escola. Diante da Portela, Paulo bebeu mais do que era de costume. Estava aos prantos, como se fosse uma criança, alguns amigos queriam levá-lo para casa. Paulo não deixava, queria permanecer ali, estático, chorando, lembrando como tudo começou.

Nos anos de 1943, 44 e 45, a Guerra que era travada na Europa começou a apresentar seus reflexos no carnaval carioca. Muitos não viam motivos para folia diante do momento por que o mundo estava passando. Das manifestações carnavalescas, apenas as escolas de samba continuaram em atividade nesses três anos. Mesmo assim, poucas escolas se apresentaram nos desfiles, ocorridos no Estádio do Clube de Regatas Vasco da Gama. A Lira do Amor, assim como muitas escolas nesse período, teve suas subvenções retidas pela prefeitura, o que impediu que a escola desfilasse.

Finalmente, em 1946, Paulo, na condição de presidente da escola, pôde desfilar pela Lira do Amor. Desde que Paulo se afastara, a Portela tinha vencido em todos os anos. Já naquela época se transformava na maior campeã do carnaval carioca. Com Paulo, a Lira do Amor obteve a sexta colocação, seu melhor resultado em todos os tempos. A campeã, mais uma vez, foi a Portela. Essas colocações voltariam a se repetir em 1947, último ano dos famosos “sete anos de glória” da Portela.

Em 15 de novembro de 1946, em um desfile organizado pela UGES, no Campo de São Cristovão, a Lira do Amor fez uma emocionante homenagem ao senador Luiz Carlos Prestes, do Partido Comunista Brasileiro. O samba foi “Cavaleiro da Esperança”, que, apesar de ter sido assinado por José Brito, teve sua autoria creditada, anos mais tarde, a Paulo da Portela: 

Cavaleiro da esperança

Paulo Benjamim de Oliveira (Paulo da Portela)

Prestes, Cavaleiro da Esperança

 Foi o homem que pelo povo relutou

 Seu nome foi disputado dentro das urnas

 Oh! Carlos Prestes

 Foi bem merecida a cadeira de senador

 És o cavaleiro que sonhamos

 De ti tudo esperamos

 Com todo amor febril

 Para amenizar nossas dores

 E levar bem alto as cores

 Da bandeira do Brasil”

 

No palanque, Paulo assisitia ao desfile ao lado do ministro da Polônia e do próprio senador Prestes, em quem deu um caloroso abraço na hora do desfile de sua escola. Paulo era, definitivamente, muito mais que um simples sambista.

Em 1948, a morte trágica de um de seus principais integrantes impediu que a escola desfilasse. E no ano seguinte, 1949,  quando todos tinham esperança no sucesso da Lira do Amor, foi a morte do próprio Paulo que interrompeu o sonho dos sambistas de Bento Ribeiro. 

 

6ª Parte: O “cidadão Paulo” 

Ao longo de sua vida, Paulo recebeu o merecido reconhecimento por seu trabalho pela cultura brasileira. A Portela ajudava a difundir a imagem de Paulo, mas, da mesma forma, grande parte da notoriedade que a Portela adquirira ainda na década de 30 deveu-se à constante presença de Paulo nas rádios e nos jornais e à sua popularidade, que, a partir da metade da década de 30, não conheceu fronteiras.

Em 1935, o jornal “A Nação” lançou um concurso que visava a eleger, através do voto popular, o maior compositor das escolas de samba do Rio de Janeiro. Ao comprar o jornal, o leitor ganhava um cupom, que deveria ser preenchido e enviado para a redação do periódico. 

Paulo seria o “candidato” de Oswaldo Cruz, que se uniria para enfrentar os compositores indicados por outros grandes redutos de samba, como Mangueira, Estácio e Salgueiro. Cada resultado parcial era cercado por grande ansiedade. Graças ao decisivo apoio de Sérgio Hermógenes, comerciante do bairro que foi uma espécie de “primeiro patrono” da Portela, Paulo sagrou-se campeão, deixando Armando Marçal com a segunda colocação.

Caetano, que havia se endividado para a eleição de Paulo, esperava contar com o dinheiro do prêmio para restituir a grande quantia financeira obtida junto a Sérgio Hermógenes. Paulo, politicamente, usou o prêmio esperado por Caetano e comprou presentes para as principais figuras participantes do evento. Paulo acreditava que tal atitude seria um investimento a longo prazo. Estava investindo em sua imagem, esperando colher frutos futuros. A dívida seria quitada quando o retorno de sua gentil atitude mostrasse os primeiros resultados. Caetano, com a palavra empenhada junto a Sérgio Hermógenes, não aceitou as argumentações do amigo. Rompeu relações com Paulo, se afastou da Portela e pagou a dívida por contaprópria.

Paulo sabia o que estava fazendo. Seguindo o raciocínio de Marília Barboza e Lígia Santos, Paulo foi o “traço de união entre duas culturas”. Aproximando-se das pessoas influentes do Centro da cidade e presenteando-as, passaria a ter entrada num meio onde seria possível adquirir a fama, levando para o mundo dos ricos a cultura dos pobres e suburbanos, o samba humilde dos morros cariocas.

No ano seguinte, o Cordão das Laranjas, com o apoio do jornal “Diário da Noite”, elegeu Paulo como cidadão-momo. Uma multidão acompanhou a posse de Paulo, em 21 de fevereiro de 1936. A cada ano que passava Paulo tornara-se mais importante, mais famoso. Em 1937, é eleito “Cidadão-Samba”, alheio às disputas entre os jornais “A Pátria” e “A Rua” pela organização do concurso. A escolha de Paulo foi a única unanimidade entre os dois órgãos de imprensa.

Na virada de 1937 para 1938, Paulo viajou para o Uruguai em companhia de um grupo de sambistas. Era a primeira vez que o samba do morro atravessava as fronteiras do país. Participou, juntamente com o antigo amigo Heitor dos Prazeres e Cartola, do conjunto Cariocas, levando o samba para outras partes do Brasil. Estava obtendo sucesso em sua caminhada.

Paulo já estava acostumado a receber professores estrangeiros, ministros, pessoas importantes de uma maneira geral. Sua imagem já impunha respeito. Tornara-se uma das figuras mais famosas do Rio de Janeiro nas décadas de 30 e 40. Mesmo após seu desentendimento com a Portela, recebeu, como bom anfitrião, o empresário americano Walt Disney, acompanhado de seu desenhista, em Oswaldo Cruz. De volta aos Estados Unidos, surgia nas pranchetas o personagem Zé Carioca, talvez inspirado na própria imagem de Paulo.

 Em qualquer problema que envolvesse o samba, lá estava Paulo, nas rádios, usando sua voz e seu respeito, para defender a dignidade e a imagem do sambista. Todos queriam ouvir o que Paulo pensava, sempre desvinculando do sambista a imagem marginalizada.

E o objetivo foi alcançado. A cada ano que Paulo se apresentava na Praça XI, ele era o ponto alto do desfile da Portela. O público o reconhecia e o aplaudia calorosamente. Os jornais destacavam sua presença.

Paulo ficou famoso, embora a fama não lhe proporcionasse fortuna. Viveu e morreu pobre, em uma pequena casinha, na Rua Carolina Machado, próxima à estação de Oswaldo Cruz. Mas e daí? Sua mensagem foi difundida, o êxito havia sido alcançado. Paulo era reconhecido, não apenas como sambista, mas também como pessoa. Fazia sucesso não apenas nos morros e nos subúrbios, mas também entre os principais artistas do Rio e do Brasil. Figura fundamental na história cultura brasileira nas décadas de 30 e 40.

 

7ª Parte: ” Em defesa de sua raça, à frente de seu tempo” 

No Brasil do início do século XX, a população negra definhava. Esquecidos pela nova ordem econômica que se iniciava, substituídos pelos imigrantes europeus, os negros padeciam sem um lugar na sociedade. Migravam do interior, das antigas fazendas, para os guetos e vielas das grandes cidades, trazendo em suas mentes algo que se manteve intacto apesar dos anos de cativeiro: os hábitos, costumes e visões de mundo herdados da mãe África. 

A “democracia racial” brasileira, mito surgido na década de 30, pregava a harmonia racial como uma das características da sociedade brasileira. Isso escamoteava o racismo, acobertando a discriminação numa ilusória relação pessoal, típica da formação cultural brasileira, que simplesmente anulava o segregacionismo, e não o preconceito.

A população negra era vítima de uma enorme contradição: eram rotulados de “vagabundos” pela mesma sociedade que lhes negava trabalho. Nesse cenário, Paulo surge como grande líder. Lutava contra os estereótipos que marcavam o negro e, como conseqüência, o sambista. Procurava demonstrar que o negro era capaz, e que sua produção cultural existia, era rica e precisava ser respeitada.

A própria imagem de Paulo já questionava qualquer estereótipo preconceituosamente construído. Trabalhador, elegante e educado, Paulo mostrava que os negros não estavam fadados à ignorância, como muitos acreditavam, e que a situação em que se encontravam era fruto da cruel situação social à qual estavam submetidos.

Paulo queria libertar seu povo das amarras da discriminação. A dignidade dos portelenses sempre foi exigida por Paulo, e seus ensinamentos fizerem da Portela uma escola diferente. Exigindo “pés e pescoços ocupados”, Paulo demonstrava que, através da roupa, os negros poderiam transmitir uma imagem de dignidade e respeito.

Paulo esteve muito à frente de sua época. Levantou temas que mais tarde seriam bandeiras dos movimentos negros, tanto do Brasil como do exterior. A idéia de demonstrar a dignidade através da roupa, chamada de “pés e pescoços ocupados”, foi, anos mais tarde, adotada pelo líder negro americano Malcom X. Se tivesse nascido nos Estados Unidos, Paulo estaria no mesmo patamar que os festejados defensores internacionais da causa negra.

De certa forma, Paulo acreditava numa “revolução silenciosa” na maneira de pensar da sociedade. Transmitia sua mensagem de maneira digna, respeitosa e pacífica, tendo sua própria imagem como exemplo. O exemplo da capacidade de um povo.

Os anos passaram, mas as imagens contra as quais Paulo lutava, infelizmente, continuam atuais. Permanecem mais vivas do que nunca. A luta pela dignidade do povo negro nunca cessou, os estereótipos ainda fazem suas vítimas. O discurso de Paulo, hoje, não é mais privilégio de um líder que estava à frente de seu tempo; é tema central nos grupos que lutam contra a desigual situação racial brasileira.

Vivemos num mundo cada vez mais intolerante. Um mundo onde “diferente” se tornou sinônimo de “inimigo”. Onde a violência transformou-se na única arma contra a desigualdade. Onde se mata e morre pela raça ou pela religião. A humanidade parece não aprender. O preconceito racial manchou de sangue a História ao longo dos séculos, e, em pleno século XXI, volta ao debate em todas as partes do mundo, seja na Europa, nos Estados Unidos, no Oriente Médio ou mesmo na América Latina. Nesse cenário desolador, a pacífica mensagem de Paulo aparece como uma utopia, um sonho, um devaneio.

Paulo estava realmente à frente de seu tempo. Um dia percebeu a situação em que o negro brasileiro se encontrava; chegou o dia em que todos também perceberam. Percebeu que as conquistas devem ser conseguidas de maneira pacífica, digna e respeitosa; um dia todos perceberão, pois esse tempo ainda está por vir. 

 

8ª Parte: ” Em defesa do subúrbio” 

Quando Paulo chegou a Oswaldo Cruz, no início da década de 20, o bairro não era mais que um humilde povoado às margens do Rio das Pedras. As ruas empoeiradas, com as valas correndo a céu aberto, eram o cenário hostil que todos encontravam. Paulo tinha aproximadamente 20 anos quando mudou-se para o subúrbio, vindo da Saúde, região próxima ao centro da cidade. 

As dificuldades comuns eram superadas com união. Os laços de amizade ajudavam a enfrentar a dor, e do sofrimento brotaram canções. Em Oswaldo Cruz encontrávamos a junção das lendas e tradições do campo com os costumes da cidade, e dessa fusão surgem as peculiaridades da produção cultural local. 

A Portela nasce como catalisador desse caldeirão cultural que fervilhava no bairro. Em suas raízes, mesclam-se as culturas rural e urbana, e desse híbrido temos a definição das primeiras características da grande escola. 

Paulo traz consigo os traços da cultura urbana, dos costumes e tradições das regiões periféricas do centro do Rio, onde a população negra formava a “Pequena África”. Em Oswaldo Cruz , percebe a riqueza do processo que estava ocorrendo naquela localidade, tornando-se seu principal líder, um dos maiores defensores do subúrbio. 

O estreitamento dos laços sociais era a arma para enfrentar as dificuldades; a união e a amizade, formas de ludibriar os problemas. Organizados por Paulo, os primeiros moradores de Oswaldo Cruz superaram as dificuldades iniciais e o progresso vai a reboque da vizinha Madureira. 

Paulo jamais abandonaria seu bairro. Seu nome artístico, Paulo da Portela, não é uma referência à escola, e sim à principal estrada do bairro onde Paulo morou quando chegou a Oswaldo Cruz. A escola só apareceu mais tarde, numa referência à mesma estrada. 

As valas e as ruas de barro aos poucos foram desaparecendo da paisagem, mas Oswaldo Cruz jamais perderia seu típico ar suburbano. Paulo foi uma espécie de “embaixador” desse pedacinho de terra, recebendo com dignidade e elegância visitantes ilustres de diversas partes do mundo. 

Mesmo sendo uma das figuras mais conhecidas da vida carioca dos anos 30 e 40, Paulo jamais conseguiu converter essa popularidade em dinheiro. Viveu até seus últimos dias numa pequena casa de vila na Rua Carolina Machado, próximo à estação do bairro que o acolheu de braços abertos. 

Hoje, mais de 50 anos após sua morte, o nome de Paulo da Portela ainda permanece muito forte na região. Iniciativas comunitárias surgem inspiradas nos ensinamentos do velho professor. É o caso do Centro de Capacitação Profissional Paulo da Portela, na Rua Cananéia, criado por iniciativa da Associação dos Moradores de Oswaldo Cruz, em que se desenvolvem projetos de pré-vestibular para pessoas carentes, alfabetização para adultos e cursos profissionalizantes, valorizando a cultura negra e preservando a riqueza cultural do bairro. 

E a riqueza cultural se mantém também inspirada nos exemplos de mestre Paulo, tanto nos trabalhos de antigos amigos, como a velha guarda da Portela, quanto no sucesso de jovens que jamais o conheceram mas fazem questão de seguir seus ensinamentos, como Marquinhos de Oswaldo Cruz.

 

9ª Parte: “O compositor Paulo”

A história reservou para Paulo um lugar na galeria dos líderes do samba, responsáveis pelo crescimento do grande espetáculo das escolas de samba em seus difíceis primeiros anos. Sua personalidade e espírito de liderança, de fato, acabaram ofuscando o Paulo compositor, que deixou como legado uma coleção de grandes obras musicais.

As obras musicais de Paulo, como era característico da produção musical de Oswaldo Cruz, fez-se dentro de um ambiente de amizade e respeito. Diferentemente do que ocorria com os compositores do Centro da cidade, em Oswaldo Cruz a verdadeira autoria de um samba era respeitada. Muitos acreditam que a obra musical de Paulo é muito mais extensa do que é oficialmente registrado, tendo sido em parte apropriada indevidamente por compositores do Centro da cidade, onde essa prática era comum.

A amizade com Heitor dos Prazeres, figura já conhecida nas rodas do Centro da cidade, inseriu Paulo num meio onde era possível conseguir fama e sucesso. O próprio Heitor dos Prazeres, segundo alguns amigos, possui algumas músicas que teriam sido de autoria de Paulo. Outras, como “Cantar pra não chorar”, possuem a assinatura desses dois mestres da música brasileira.

Enquanto esteve à frente dos desfiles da Portela, Paulo compôs muitos sambas que a escola cantou na avenida, como “Teste ao Samba”, “Guanabara”, “Cidade Mulher” e “Homenagem à justiça”. Especialmente em “Cidade Mulher”, podemos perceber todo o talento do compositor Paulo, retratando numa bela poesia a alma carioca e a beleza de sua cidade.

Cidade mulher

(Paulo da Portela) 

Cidade, quem te fala é um sambista,

Anteprojeto de artista,

Teu grande admirador 

Me confesso boquiaberto,

De manhã, quando desperto

Com tamanho esplendor 

Quando nosso infinito

Se apresenta tão bonito

Trajando azul anil 

Baila o sol lá nas alturas

Dando maior formosura

À mais linda dama do Brasil

Cidade mulher 

Como é linda suas matas,

Seus riachos e cascatas,

Deslumbrar-me é natural 

Diante de tal beleza

Que lhe deu a natureza

Se há outra, não vi igual 

Quando a tarde é cor de rosa

Ainda é mais formosa

Tem cenário sedutor 

Te admiram estrangeiros

Se orgulham os brasileiros

Seu poetas sonhadores

 

Sambas como “Cocorocó”, “Ouro, desça do seu trono”, “Pam-pam-pam-pam”, “Olhar assim” e muitos outros fizeram sucesso na voz de grandes nomes da música brasileira, como Mário Reis, Carlos Galhardo, Clementina de Jesus, Roberto Ribeiro, Beth Carvalho, Candeia e muitos outros. Especialmente nas gravações de seus discípulos da Velha Guarda, suas músicas ganham mais emoção.

Em “Ouro, desça do seu trono”, gravada primeiramente por Candeia e mais tarde por Luiz Carlos da Vila, Paulo transmite seus ensinamentos de que a honestidade está acima dos interesses e das ambições que já dominavam o mundo em seu tempo.

Alguns de seus amigos da Velha Guarda tornaram-se parceiros de Paulo, musicando ou atualizando antigas obras deixadas pelo mestre. Monarco, por exemplo, tornou-se parceiro de Paulo em “Quitandeiro” e “Linda Borboleta”.

Algumas músicas de Paulo permanecem inéditas e esperam que alguma iniciativa resgatem-nas para que possam fazer sucesso, como “Sonho”, “Conselho” e “Paulicéia”, esta última em parceria com outro grande mestre do samba, seu amigo Cartola. Por mais inusitado que possa parecer, esses dois mestres possuem uma parceira em um jingle comercial que fez sucesso nas rádios da década de 40.

Dedicadas ao grande mestre, muitas músicas foram feitas em sua homenagem, como “De Paulo da Portela a Paulinho da Viola”, “Um minuto de silêncio”, “Meus sentimentos, Portela”, “Sambista esquecido” e “Homenagem a Paulo”. Destacamos especialmente “Homenagem a Paulo”, de Ernani Alvarenga.

Homenagem a Paulo

(Ernani Alvarenga)  

No Portelão falta a estátua 

Do Paulo da Portela

Todas as escolas perguntavam

Até a saudosa Favela. 

Uns e outros dizem que estão errados

Recordação é lembrança do passado

As escolas de samba em silêncio

Quando partiu para a eternidade

Batuqueiros clamam porque

Ele deixou saudades 

As escolas de samba em silêncio

Quando ele partiu para eternidade

Batuqueiros clamam porque

Ele deixou saudade la-raiá

 

Após seu afastamento da Portela, amargurado, Paulo compôs “Meu nome já caiu no esquecimento”. Nisso Paulo estava errado, pois seu nome e suas composições permanecerão sempre vivos na memória do samba e de nossa cultura popular.

 

 O meu nome já caiu no esquecimento

(Paulo da Portela) 

O meu nome já caiu no esquecimento

O meu nome não interessa mais ninguém 

E o tempo foi passando

E a velhice vem chegando

Já me olham com desdém 

Ai quantas saudades

De um passado que se vai lá no além 

Chora, cavaquinho, chora

Chora, violão, também

O Paulo no esquecimento

Não interessa a mais ninguém 

Chora, Portela

Minha Portela querida

Eu, que te fundei

Serás minha toda vida 

 

10ª Parte: ” O epílogo de um mestre”

Rio de Janeiro, 30 de janeiro de 1949. Um sábado comum, a poucos dias do carnaval. Pela manhã, Paulo teria finalmente concordado em voltar para a Portela, após 8 anos de afastamento. A declaração, informalmente feita para o jovem amigo Alvaiade na estação de trem, traria novamente alegria para todos em Oswaldo Cruz.

Paulo seguia, apressado como sempre, para Jacarepaguá. Na volta, desceria na estação de Bento Ribeiro, uma após Oswaldo Cruz, onde habitualmente saltava. Andou até a Rua Tácito de Esmeris, onde ficava a pequena escola Paz e Amor. Lá, encontrou vários amigos, e depois de um tempo atravessava a linha do trem para chegar à Lira do Amor, escola da qual fez parte nos últimos anos.

Mais tarde, faria uma apresentação em um circo. Ali, pertinho, na esquina das ruas Carolina Machado e Frei Bento. Próximo à Estrada do Portela, pára num bar e, esquecendo-se dos conselhos do médico, começa a beber. Seu compadre Cláudio Bernardo percebe que o amigo não estava bem e chama sua atenção para o excesso.

No circo, Paulo é aclamado e se emociona; foi o último reconhecimento que o mestre receberia ainda em vida. Durante a madrugada, Paulo morreria. Colapso cardíaco, segundo um médico amigo atestou.

O enterro de Paulo foi, talvez, o momento mais marcante da história do subúrbio de Oswaldo Cruz. Quinze mil pessoas acompanharam o cortejo fúnebre, que seguiu de sua pequena casa, na Rua Carolina Machado, até o cemitério de Irajá, atravessando todo o bairro de Madureira.

Sua esposa, Maria Elisa, não permitiu que Natal cobrisse o caixão com a bandeira da Portela. Dizia que “se ele não voltou em vida, também não voltará depois de morto”. Infelizmente, a promessa feita ao jovem Alvaiade não pôde ser cumprida. Paulo jamais voltaria a ser da Portela.

Esse relato, segundo o que está escrito no livro “Paulo da Portela – traço de união entre duas culturas”, de Marília Barboza e Lígia Santos, mostra os últimos momentos do homem Paulo da Portela. A partir daí, entrava em cena o mito, o exemplo a ser seguido.

Os homens morrem, mas suas obras são eternas, permanecem para sempre imortalizando ideais e sonhos. E nós, cem anos depois, contemplamos seus ensinamentos, escrevendo nossas histórias com a fé em seus conselhos.

Príncipe Paulo, elegantemente vestido. “Pés e pescoço ocupados”. Buscamos assim a valorização da raça negra. Sonhamos com uma revolução pacífica, uma conscientização de toda a sociedade, respeitando, finalmente, a diversidade de uma população de formação especial.

Buscamos o reconhecimento de que o Rio se estende para além das fronteiras da mídia. O Rio também é Oswaldo Cruz, também é Madureira. O Rio também é quente e de ruas empoeiradas. Aprendemos que é preciso superar os preconceitos, estereótipos discriminatórios que precisam ser vencidos. O subúrbio também canta, também dança. E a riqueza da produção cultural do subúrbio responde por uma nome reconhecido internacionalmente: Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela.

A Portela, maior obra de Paulo, prova concreta do que o subúrbio é capaz, foi o legado maior deixado pelo professor. Se os ensinamentos de Paulo orientam nossos caminhos, a Portela é a personificação de seus sonhos. Sonhos pintados nas cores azul e branca, batendo asas na forma de uma Águia, embalados na perfeita harmonia entre a inconfundível cadência de uma bateria e as belas letras de uma produção musical peculiar.

Portela que une passado e presente. Na magia do amor que desperta, estende um facho de luz para a eternidade, unindo nossos sonhos aos de Paulo, tornando viva sua presença ao nosso lado. Somos todos iguais diante da sombra de suas asas, sentimento que atravessa o tempo e as gerações.

E lá estará Paulo, onipresente mais uma vez no carnaval. Estará na lágrima da baiana, no orgulho do passista ou na emoção do ritmista, não importa. As mesmas lágrimas dos olhos de Paulo já rolaram, o mesmo orgulho e a mesma emoção já foram por ele sentidos.

Cem anos depois, a Portela, enfim, é a interseção que nos une.

Obrigado, Paulo Benjamim de Oliveira.

 

Equipe Portelaweb – 2001 

Texto de autoria de Fábio Oliveira Pavão  

Principal referência bibliográfica utilizada no trabalho:

SILVA, Marília T. Barboza & SANTOS, Lygia. “Paulo da Portela – traço de união entre duas culturas”. Rio de Janeiro, Funarte, 1979.

Outras referências bibliográficas utilizadas:

CABRAL, Sérgio. “As escolas de samba do Rio de Janeiro”. Rio de Janeiro, Ed. Lumiar, 1996.

CANDEIA FILHO, Antônio & ARAÚJO, Isnard. “Escola de samba – árvore que esqueceu a raiz”. Rio de Janeiro, Ed. Lidador, 1978.

DAMATTA, Roberto. “A fábula das três raças”. In: Relativizando: Uma introdução à antropologia social. Rio de Janeiro, Rocco, 1987.

GERSON, Brasil. “História das ruas do Rio”. Editora livraria brasiliana, Rio de Janeiro, 1965.

JÓRIO, Amaury & ARAÚJO, Hiran. “Escolas de samba em desfile – vida, paixão e sorte. Rio de Janeiro”, Poligráfica ed., 1969.

MUNANGA, Kabengele. “Rediscutindo a mestiçagem no Brasil – identidade nacional versus identidade negra. Petrópolis, Vozes, 1999.

PAVÃO, Fábio “Euforia e Pessimismo – estudo sobre as transformações das relações raciais através do futebol”. Rio de Janeiro,  Mimeo – UERJ, 2001.

PAVÃO,  Fábio & PELLEGRINI, Lucimar . ” O samba e a vida brasileira”. Trabalho apresentado no IX congresso da Aladaa. Rio de Janeiro, Mimeo, 2000.

SANTOS, Joel Rufino dos. “O que é racismo?”. São Paulo, Editora Brasiliense, 1984.

SARTRE, Jean Paul. “Reflexões sobre o racismo”. Rio de Janeiro, Difel, 1978.

SEYFERTH, Giralda. “A invenção da raça e o poder discricionário dos estereótipos”. In: Anuário Antropológico/93. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1995.

VARGENS, joão Baptista M & MONTE, Carlos. “A Velha-Guarda da Portela”, Rio de Janeiro, Manati, 2001.

VIANNA, Hermano. “O mistério do samba”. Rio de Janeiro, Zahar, 1995.

 

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