13/05/2024
CompositorMemóriaPanteão portelense

Zé Ketti

A Voz do Morro, Sim Senhor

José Flores de Jesus, o nosso Zé Kétti, nasceu em 16 de setembro de 1921, em Inhaúma, bairro onde viria a passar os seus últimos dias. Seu apelido musical vem dos tempos de infância, quando gostava muito de observar as coisas ao seu redor. Desta faceta de seu temperamento veio o apelido “Zé Quietinho”, que depois se transformaria em “Zequéti” e por fim em “Zé Kétti”, na década de 50.


Seu primeiro contato com a música aconteceu na infância, acompanhando as festas que seu avô promovia em Bangu, bairro onde o nosso personagem morou em sua tenra infância. Porém, entre 1926 e 28, Zé Kétti mudou-se para Dona Clara, onde viveria até 1937, quando então foi morar no bairro de Bento Ribeiro. Estudou até o primeiro ano do ginásio – atual quinta série do ensino fundamental – e depois foi se formar na denominada “universidade da vida”. Perdeu o pai muito cedo e foi criado pela mãe, Dona Leonor, e pelo avô.

O Compositor

Sua vida como compositor de sucesso começa no lendário Café Nice, em 1939. O Café Nice, nesta época, era o ponto de encontro dos compositores e dos cantores famosos da época. Sua estréia em disco ocorreu em 1946 com a música de carnaval “Vivo Bem”, gravada por Ciro Monteiro. No mesmo ano grava “Tio Sam no Samba” com o grupo Os Vocalistas Tropicais. Fica seis anos afastado de gravações em disco, mas em 1952 experimenta o seu primeiro sucesso: “Amor Passageiro”, gravado por Linda Batista.

Mas seu primeiro grande sucesso viria em 1954, com a música “Leviana”, cuja primeira gravação foi do cantor Jamelão. No ano seguinte consolida o sucesso com o lançamento da música “A Voz do Morro”, gravada originalmente pelo grupo Vocalistas Tropicais.

Na década de 60, Zé Kétti encontra o seu apogeu como cantor e compositor de sucesso. São deste período as músicas Opinião (1965), Jaqueira da Portela (1963), Máscara Negra (1967), Diz que Fui por Aí (1964) e As Moças do Meu Tempo (1967), somente para dar alguns exemplos. Faz parte do grupo A Voz do Morro e, em 1964, é uma das atrações do histórico show “Opinião”, juntamente com João do Vale e Nara Leão – posteriormente, Maria Bethânia. Além disso, atuou no filme Rio Quarenta Graus (1955).

Zé Kétti

Entretanto, em 1967 se envolve em polêmica envolvendo a autoria da música “Máscara Negra”, a qual é objeto de acirrada disputa judicial. Porém, o veredicto confirma a Zé Kétti a autoria da música, em 11 de novembro de 1969.

Outra característica marcante de Zé Kétti era a sua luta pelo reconhecimento dos direitos autorais dos compositores. Além disso, seu imenso talento esteve intensamente envolvido na resistência ao golpe militar de 1964; porém, devido às suas boas relações com o então governador do Estado da Guanabara Carlos Lacerda, ele jamais seria importunado pela polícia.

A década de 70 marca um período não muito feliz da carreira de Zé Kétti. Os discos lançados nestes anos não alcançaram grande repercussão; segundo alguns críticos, eram trabalhos menores da carreira do cantor e compositor. Os anos 80 marcam um relativo ostracismo de Zé Kétti em termos de disco, que seria resgatado em 1996, com o lançamento do primeiro CD da série “Rio Musical”. Neste mesmo ano o cantor Zé Renato lança um CD dedicado à sua obra e em 1997 sai o fascículo de número 32 da série MPB Compositores, da Editora Globo.

Para coroar a sua brilhante carreira, em 1998 Zé Kétti recebe o Prêmio Shell de Música Brasileira, o maior prêmio dedicado à música brasileira. Um merecido reconhecimento a este que foi um dos maiores sambistas da nossa história.

O Empreendedor

Uma faceta pouco conhecida da personalidade de Zé Kétti é a de empresário. Desde menino, ele já exercia o seu tino para os negócios vendendo laranjas descascadas nos campos de pelada, para ganhar um dinheirinho.

Entre 1963 e 1965, Zé Kétti foi um dos articuladores e divulgador cultural do famoso restaurante e casa de shows Zicartola. No início dos anos 70 ele era dono da Ortensur, empresa de reformas e pinturas. Concomitantemente, ele também era funcionário do Iapetec e representante de um laboratório farmacêutico. Em 1976 lança a MarKétti Transportes Marítimos e Terrestres Ltda., para explorar o transporte marítimo entre São Gonçalo (Pontal de Itaoca) e Paquetá. Antes havia sido dono de uma barraca de peixes na Praça Quinze.

Não se pode esquecer também de suas iniciativas visando à organização dos compositores e à regulamentação das profissões de cantor e compositor.

Zé Ketti e a Portela

Zé Kétti foi levado à Portela pelo compositor Armando Santos, grande baluarte da escola. Por volta de 1945 já fazia parte da Ala de Compositores da escola, embora esta não estivesse organizada como ala, o que ocorreria no início dos anos 50. Magoado com as fofocas envolvendo o samba “Leviana”, ele se afastaria da escola na década de 50, encontrando abrigo na União de Vaz Lobo, mas logo retornaria à Portela.

Segundo o escritor Nei Lopes, a opção do compositor pela Portela teria origem em uma briga que Zé Kétti presenciou na Mangueira: ele então preferiu os ares mais tranqüilos de Oswaldo Cruz. Porém, este bairro fica muito próximo a Dona Clara (hoje parte componente de Madureira), onde o compositor passou parte de sua infância e juventude, de modo que é provável que os ecos do samba que vinham de lá tenham atraído o menino que desde muito jovem se interessava por música.

O compositor exerceu, entre outras, a função de relações públicas da escola na década de sessenta e foi um grande pesquisador da história da Portela e das escolas de samba cariocas. Em 1968 foi eleito Cidadão Samba, desbancando famosos sambistas da ocasião.

Zé Kétti teve um único samba-enredo vencedor composto para a Portela: “Viagem Pitoresca Através do Brasil (Rugendas)”, de 1962. O curioso é que o samba que foi para a avenida na verdade era a junção de dois sambas, o de Zé Kétti e o do compositor Marques Balbino. Cantando o seu samba, a Portela conquistou o título do carnaval de 1962.

Seu grande amor à Portela pode ser demonstrado através dos sambas de exaltação que ele compôs para a escola, dos quais o mais famoso é “Jaqueira da Portela”, de 1963. Este samba retrata um fato histórico da escola: a derrubada da jaqueira à sombra da qual foi fundada a escola, para a construção da primeira quadra – o Portelinha.

O Crepúsculo

Zé Kétti teve dois derrames cerebrais – o primeiro deles em 1987 – que abalaram bastante a sua saúde. Em 1999, já vivendo ao lado da filha Geisa no mesmo bairro de Inhaúma no qual nasceu, sente profundamente a morte da ex-mulher, vindo a falecer dia 14 de novembro de 1999, de complicações renais e pulmonares. Foi-se o homem, nasceu o mito.

Pequeno Histórico

1921 – Nasce em Inhaúma, a 16 de setembro, sendo registrado como nascido a seis de outubro.

c.1928 – Com a morte do avô, a família muda-se para Dona Clara.

1937 – Muda-se com a família para Bento Ribeiro e, logo depois, começa a freqüentar a Portela.

c.1945 – Integra o grupo de compositores da Portela, que ainda não era estruturado como “ala”.

1946 – Estréia no disco, com o samba “Vivo Bem”, gravado por Ciro Monteiro.

1954 – Sucesso com “Leviana”, gravado por Jamelão. Vai para a União de Vaz Lobo.

1955 – Trabalha no filme “Rio Quarenta Graus”.

1956 – Sucesso com “A Voz do Morro” .

1962 – Portela ganha o carnaval com o seu samba-enredo Viagem Pitoresca através do Brasil (Rugendas).

1964 – Atua no show Opinião.

1968 – Em 12 de Fevereiro é eleito Cidadão Samba.

1973 – Deixa de participar ativamente do dia-a-dia da Portela.

1987 – Tem o primeiro derrame cerebral.

1994 – Recebe a Medalha Pedro Ernesto.

1996 – Lança um CD pela RioArte e é homenageado pelo cantor Zé Renato com outro dedicado à sua obra.

1998 – Recebe o 18º Prêmio Shell.

1999 – Falece a 14 de Novembro.

Bibliografia:

“Zé Kétti – O Samba Sem Senhor” – Coleção Perfis do Rio. Nei Lopes. Editora Relume Dumará/Secretaria Municipal de Cultura. Rio de Janeiro, 2000.

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