15/05/2024
EntrevistasMemória

Armando Marçal

Armando Marçal

Desfile de 2005 (Foto: TV Globo)

Armando de Souza Marçal, 47 anos de idade, nascido no Rio, começou a mexer com musica aos 14 anos. “Tocava nas panelas da minha mãe, já que papai não deixava eu brincar com os instrumentos dele”, diz ele com uma pontinha de saudade.

Não demorou muito para que Marçalzinho – ou Armandinho – se encantasse pela Portela. Ele ia a quadra da escola junto com o pai – Mestre Marçal. “Aos 16 anos comecei a tocar surdo de terceira e, aos 17 anos, fiz minha estréia na bateria”. Marçalzinho diz que nesta época começou a fazer alguns trabalhos em estúdio, ambiente que ele também já conhecia por causa do oficio de Mestre Marçal. “Eu ia com papai nas gravações e acabava dormindo. Depois peguei gosto pela coisa”, afirma.

Convidado por Nilo Figueiredo, o novo presidente da Portela, para assumir a “Tabajara do Samba”, Marçalzinho diz que não é Mestre. “Sou apenas um ritmista com cargo de direção”, garante o músico, tido como um dos maiores percussionistas do planeta.

Armando Marçal deu a seguinte entrevista para a Equipe Portela Web:

 

Portelaweb: Há quanto tempo você está afastado da Portela?

Armando Marçal: Estive na Portela até 1986. Saí por causa da briga do papai com membros da escola. Neste mesmo ano, o padrinho do meu filho – que era diretor na Vila Isabel -, me chamou para tocar lá. Isso coincidiu com um outro convite, feito pelo guitarrista Pat Matheny para tocar em sua banda. Eu aceitei e acabei só estreando na Vila em 87. Fui para lá ajudar o Mug e o Ernesto. Fiquei na Vila até agosto de 2004. Foi a escola que me adotou e com todos os direitos de um filho legitimo. Agora de volta a Portela, sinto que meu sentimento pela escola estava guardado, adormecido.

 

Portelaweb: Mas durante este tempo todo você nao deixou de ir a Portela…

Armando Marçal: Não. Freqüentava a Portela para fazer a manutenção das minhas amizades. Seria deselegante deixar de ir a escola abandonando os amigos. Mas nunca quis saber como estava o trabalho da antiga diretoria. Acho deselegante ficar falando ou julgando o trabalho de outra pessoa. Mesmo que este trabalho não me agradasse, preferi ficar fora de qualquer julgamento ou envolvimento. As pessoas poderiam interpretar mal, como se fosse uma mágoa ou implicância minha. De 1981 a 1986, fui assessor do meu pai na bateria da escola. Acho que papai ficou de 10 a 15 anos como mestre. Em 1986, ele recebeu Estandarte de Ouro e saiu da Portela.

 

Portelaweb: E a partir de agora, o que você está planejando?

Armando Marçal: Pretendo começar resgatando o antigo ritmo que a Portela tinha.

 

Portelaweb: E como era esse ritmo?

Armando Marçal: Um ritmo mais cadenciado, seguro, com muitos surdos de terceira. Não sei se vou ser capaz, mas é um dos meus planos. A bateria me aceitou bem. Não tenho tido retaliações e todos são bem vindos. Todos estão convidados a se apresentar. Não estou dizendo que antes não era assim. Estou só expondo meus planos.

 

Portelaweb: E as caixas da Portela vão ter a tradicional batida rufada?

Armando Marçal: Esta batida é um pouco difícil de resgatar porque a Portela não fez escola. Os mais velhos não ensinaram aos mais novos e isso acabou se perdendo. Várias baterias perderam a característica, não por causa do mestre, mas por causa da aceleração do samba. Nesta fase que estamos dos desfiles, é difícil manter um toque por muito tempo, a não ser que tenha gente ensinando, fazendo escola. Num primeiro momento não sei se vou conseguir resgatar essa batida de caixa, mas vou tentar. Além disso, é preciso dar atenção aos ritmistas. Todos eles são importantes. Mas prefiro sair com 280 tocando bem, que manter 20 tocando mal só para ter 300.

 

Portelaweb: Como você vê os tamborins?

Armando Marçal: O tamborim é a seção que faz os floreios, os desenhos. O tamborim tem deixado de tocar para fazer floreio. Sei que às vezes o próprio samba pede isso. Acho válido. Mas preferiria um naipe de tamborins que tocasse mais que floreasse. Isso nao significa que eu não goste disso ou ache que esteja errado fazer. Nada disso. Mesmo porque, com a evolução, se você nao se adapta, acaba virando um dinossauro. Então, nao dá para ser radical com tudo, porque, senão, você fica à margem da evolução.

 

Portelaweb: E as paradinhas? A Portela não tem tradição de paradinha…

Armando Marçal: Não tem, mas eu sou obrigado a fazer em função do julgamento. A bateria que desfila tradicionalmente, quando comparada com a que arriscou, é olhada de forma diferente. Eu sou da antiga, meio primitivo, da velha guarda. Preferiria vir sem paradinha. Como a escola nao tem tradição de paradinha, o ritmista vem meio inseguro. Por isso, escolhido o samba-enredo, estamos trabalhando a segurança do ritmista. Mas se eu sentir que também não está legal, vou ser julgado pela forma tradicional mesmo. O negocio é a escola se sentir bem. Não posso ser vaidoso. Tenho que pensar em fazer um bom desfile. Quando eu faço uma paradinha na bateria eu perco um bocado do “mantra”, sinto uma quebra na minha concentração. É minha opinião pessoal, não estou dizendo que estou certo. Acho isso porque quando a bateria pára, ela oscila, nunca volta no mesmo andamento. No dia que me provarem o contrário, peço desculpas.

 

Portelaweb: O que na sua experiência de músico pode ser levado e aproveitado na Portela?

Armando Marçal: A maturidade, a tranqüilidade, a educação na hora de tocar e o aprendizado de ouvir o músico que está do seu lado. Nao é tocar só para você. É tocar para aquele arranjo. Nao dá para ser egoísta ou querer tocar melhor que o outro. Nao é necessário usar a força para tocar. Tem que tocar com jeito, sabendo tirar o som do instrumento. Você sabe o que é “mantra”?

 

Portelaweb: Não. Pode explicar?

Armando Marçal: No caso de tocar um instrumento, significa repetir a mesma batida sem quebrar o andamento, sem florear, sem solar. É fazer isso por 80 minutos – que é o tempo do desfile -, sem sair da batida para querer tocar mais do que o outro. Se eu fizer este mesmo toque com o outro me completando, em vez de ficarmos cansados, vamos entrar num estágio que tocar acaba ficando leve para todo mundo. Um minuto vai passar rápido e a gente não vai sentir. Toda vez que a gente começa a seleção de ritmistas, batendo papo com eles, eu tento introduzir isso, mas com uma linguagem que todo mundo entenda. Não sei se vou ser feliz, mas é um projeto.

 

Portelaweb: Quem já está com você na direção da bateria?

Armando Marçal: O *Carlinhos Catanha, garoto simples, eficiente e bom. Está o Nilo, que eu conheci o ano passado. Tem ainda um mais antigo, que eu não poderia deixar de convidá-lo. É o Mestre Bombeiro. Seria uma deselegância da minha parte não convidá-lo. Bombeiro trabalhou com meu pai. Entra gente, sai gente, ele está lá na bateria. Estamos procurando mais um ainda.

 

Portelaweb: Cada um vai ter uma função específica?

Armando Marçal: As funções já foram definidas, mas ainda não fechei. Estamos em fase de testes. Ainda não tive tempo hábil para trabalhar isso. Eu peguei o esqueleto do Carlinhos Catanha e estou trabalhando em cima dele, passando o que eu penso. Tudo na base da conversa, com muito respeito. Eu não posso chegar e dizer “Eu quero assim”. Isso não. Se as mudanças que aparecerem forem boas, se houver aceitação, é porque estamos no caminho certo. A própria atitude das pessoas vai me ajudar a entender isso. Tem gente “das antigas” que já está voltando à bateria. Até algumas senhoras estão me abraçando, apoiando a nossa presença na escola. Eu não sou diretor de bateria, não sou mestre. Estou na Portela para ajudar, me chamaram para ajudar. Sou um voluntário. Se eu falar que sou mestre estaria mentindo. Pelo fato de trabalhar na música, nao quer dizer que eu tenha que ser um mestre. Sou um ritmista que está numa posição de direção. Só isso.

 

Portelaweb: E a escolinha?

Armando Marçal: É um projeto da nova diretoria. O Nil (Osni Nascimento, filho do Natal), está responsável por isso.  Algumas pessoas já querem para esse ano porque a escola mirim é o futuro da Portela. Qual o departamento que deve cuidar para que a escola não perca o histórico da bateria, de mestre-sala, de porta bandeira?  É a escolinha mirim.  Nós acabamos de assumir e estamos montando a nova estrutura. O segundo passo é ver a situação da Portela, o que falta, o que deve ser  trabalhado a partir daí. O resto é página virada.

 

Portelaweb: E na frente da bateria, como vai ser?

Armando Marçal: Só vem a Valéria Valensa. Não tenho certeza, mas a Dodô deve vir em uma outra posição.

 

Portelaweb: Deixe um recado para os portelenses.

Armando Marçal: Peço calma, um voto de confiança e que rezem muito pela gente. Estamos tentando fazer o melhor. A auto-estima e a credibilidade dos portelenses estavam adormecidas. A Portela já não era mais respeitada como antigamente. Mas essa nova diretoria está imbuída em resgatar a auto-estima e a credibilidade da escola. Na hora do desfile e dos ensaios, temos que dar o melhor, porque é uma coisa séria. Pra mim é uma religião, um altar, onde peço luz. Que Papai do céu nos ilumine e que o resultado disso tudo, no desfile, seja de felicidade. Quatro mil e quinhentos com força positiva é melhor que quatro.

*Carlinhos Catanha não está mais na bateria da Portela.  Auxilia Dacopê na Tradição.

 

Entrevista realizada por Marcello Sudoh em 2005

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