15/05/2024
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Mestre Mugue

Mestre Mugue

2001

Portelaweb: Gostaríamos de saber o seu nome, a sua idade, o que o senhor faz, há quanto tempo o senhor está na Portela, como é que o senhor começou no carnaval. Queríamos que o senhor nos contasse a sua vida relacionada ao carnaval.

 

Mestre Mug: Meu nome é Arnaldo Manoel de Jesus, apelidado com esse pseudômino numa época passada, quando existia aquele bonequinho chamado Mug, que diziam que era o boneco da sorte. Então, acharam que eu parecia muito com aquele bonequinho e me botaram o apelido de Mug. E esse apelido ficou, foi uma marca. Eu comecei a sair no samba com 13 anos de idade, tiveram que pedir permissão aos meus pais e eu comecei a sair como passista, eu gostava de dizer umas letrinhas no pé. E depois, como eu gostava muito do ritmo, entrei na bateria e comecei a aprender algumas coisas. Aí, eu comecei a sair primeiramente na Unidos de Padre Miguel, que já foi uma escola grande no passado, e de lá eu comecei a galgar algumas posições no samba e a Portela teve o privilégio de ir a Padre Miguel e convocar os melhorezinhos que tinha lá. Aí, convocou um grupo e nesse grupo eu fui incluído. Vim para a Portela, em 1971, logo após um carnaval ganho por ela, e estou aqui até hoje. Comecei na bateria, fui passando, cheguei a diretor, de diretor hoje eu sou o vice-presidente, tomando conta dessa bateria com 300 componentes.

 

Portelaweb: E como é que foi isso? O senhor começou em quais instrumentos? Tocava tudo até chegar a diretor?  

Mestre Mug: Funciona da seguinte maneira: quando eu comecei, na realidade eu era passista, eu gostava, então quis fazer parte de um grupo-show que vinha à frente da bateria. Então, eu comecei tocando o agogô, o agogô de duas bocas, tinha outro colega meu que tocava frigideira, o outro tocava tamborim, o outro tocava pandeiro, quer dizer, nós fazíamos um tripezinho ali na frente da bateria. Eu era bem garoto ainda.

Na Portela, pra onde eu vim em 71, eu vim tocando o agogô de duas bocas, mas eu já tinha uma afinidade tocando repique e tocando caixa de guerra, quer dizer, quando eu cheguei na Portela já estava com mais idade, aí eu comecei a pegar nas peças,  porque a gente fazia muitos shows e eu comecei logo no grupo-show da Portela. Então, além de eu dizer no pé com o agogô, eu pegava no repique, quer dizer, tinha as pessoas que davam entrada no ritmo na bateria com o repique, eu passei também a dar entrada no repique. Então, eu toquei agogô, toquei repique, toco caixa, toco surdo de segunda, toco de primeira, toco de terceira, toco um pandeirinho, engano na cuíca e a gente foi desenvolvendo um trabalho. Porque a bateria é composta da seguinte maneira: você tem um tom, que é uma nota musical, então você tem um surdo de primeira que é o grave, aí você vem com uma segunda, que é a resposta. Aí, no mesmo tempo da segunda, você entra com a terceira, que é um contratempo, que é uma contra-resposta. Aí, você vem com o complemento, você vem com uma caixa de guerra, vem com uma caixa, você vem com um repique, aí entra o chocalho, entra o agogô, entra cuíca, entra o pandeiro, que está um pouco extinto, mas ainda tem pandeiro de bateria. Aí, você faz uma composição, faz uma harmonia do teu jeito, do jeito que você gosta, em que você vai se aperfeiçoar e afinar aquele andamento, aquele conjunto, você vai afinar a seu modo, vai adequar a seu modo, quer dizer, aí está uma bateria formada.

 

Portelaweb: Antigamente, quando as escolas começaram a ter uma identidade, ao longe se sabia se vinha a Portela, o Império ou a Mangueira. Qual é a característica marcante da Portela hoje em dia?

Mestre Mug: A característica da bateria na avenida existe ainda. Hoje em dia, como mudou um pouco a filosofia de andamento, o samba está um pouco mais acelerado, passou a ter um pouco de aparência, mas ainda existe aquela identificação com a Portela, com a Mangueira, porque na Mangueira o surdo é sem resposta. A identidade da Portela é mais à base dos surdos, porque a Portela, na década de 60, foi considerada a Tabajara do carnaval. É o andamento dela. E a Portela tá fazendo paradinha, tá fazendo esse negócio todo, haja vista que eu fiz, eu tenho feito paradinha porque quando eu comecei em Padre Miguel, eu trabalhava muito em cima de paradinha. Aí, quando eu assumi a bateria da Portela, tive uma oportunidade e fui fazendo. Mas a identificação da Portela mesmo é a base do peso, é o peso do surdo, porque a Portela é uma escola que é muito grande, é uma escola com muitos componentes, então tem que ter um peso para poder levar a escola até o outro lado, até chegar à Apoteose.

 

Portelaweb: O que o senhor pensa dessas escolas que hoje inovam, que trazem batida funk? A Mangueira fez isso este ano no desfile das Campeãs. O senhor considera isso como samba mesmo?

Mestre Mug: Eu sinceramente acho que não é legal. Não é legal porque você perde um pouco as características do samba. Fazer uma bossa ou fazer uma batida de funk num show ou numa apresentação, eu acho até válido porque você está fazendo apresentação para público. E no desfile você está desfilando para um público, mas um público de carnaval. É um público que vai ver o desfile da “escola de samba”, vai ver o desfile das escolas que ele gosta, que ele tem admiração. Então, é um trabalho totalmente à parte. Essa parte de batida funk, que tem uma identificação totalmente diversa do samba, isso eu sou contra, porque eu acho que não é legal. Quando você faz umas paradinhas que vêm elaboradas dentro da letra do samba, você faz aquelas paradinhas e nelas você vem fazendo uma composição que nem a Mocidade fazia no passado e faz até hoje, a Ilha faz e tal, eu acho legal, é uma coisa característica deles. Agora, quando vem com essa batida de funk, essas batidinhas bestas, acho que não tem nada a ver, realmente eu sou contra. Não sou contra num show, porque você vai fazer um show para diversos tipos de público e o show você faz para um público de funk, um público de samba e tal, um grupo de gafieira que está ali assistindo. Aí você pode fazer uma batidinha funk, uma batidinha afro, mas no desfile eu sou contra.

 

Portelaweb: Como é formada a bateria da Portela? Os seus ritmistas são de onde? Eles saem só aqui na Portela com o senhor? Como é a relação deles com o senhor? Como fica a auto-estima de uma bateria que, em 2000, salvou a Portela de uma colocação pior?

Mestre Mug: Isso aí é muito relativo porque, no ano de 2000, a bateria salvou a Portela, como dizem, eu não acho nem bonita esta palavra, mas salvou, porque a escola fez um desfile razoável, não foi um desfile maravilhoso, mas foi um desfile razoável, que, no meu entender, não era para tirar aquela colocação. Infelizmente, foi o que aconteceu, aí tiramos uma colocação que não era de Portela. Ficamos naquele risco de rebaixamento, aí o último quesito a abrir era a bateria e foram cinco jurados e, graças a Deus, naquela oportunidade, a bateria da Portela tirou 5 notas dez. Esses 10 fizeram com que a Portela pulasse para uma posição de classificação, e eu fiquei muito feliz com isso. Agora, quanto ao meu relacionamento com o pessoal, eu comecei no samba muito pequeno, eu converso com eles, eu tenho o dom de brincar com eles, de tratá-los com respeito e, da mesma forma, eles também me tratam com respeito, com brincadeira. Na hora do trabalho é como eu digo, vamos trabalhar, o negócio é “à vera”, na hora do trabalho vamos trabalhar, vamos fazer bonito. Porque você ganha ponto e fica na expectativa de ter mais trabalho pela frente. Tudo que eu faço para os meus comandados, eles absorvem da melhor maneira possível e, graças a Deus, nós vamos sempre fazendo boas apresentações, um bom trabalho. Este ano, de 2001, nós fizemos um trabalho até bom e razoável. Não razoável em si, diga-se a verdade, fizemos um trabalho bom, mas não foi entendido pelos jurados, os jurados nos tiraram um ponto e meio, coisa que é muito difícil de acontecer na bateria da Portela. Mas aconteceu, vamos procurar corrigir essa falha, vamos procurar corrigir onde foi que eu errei, e, se eu errei, vou procurar corrigir, vamos ver, vamos tentar a sorte e, se Deus quiser, vamos conseguir marcar de novo os pontos máximos.

 

Entrevista exclusiva. Concedida na quadra da escola, em 10/10/2001, para Lucimar Pellegrini.

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